África do Sul enfrenta a pior seca dos últimos 100 anos
18 de fevereiro de 2016Apesar de a agricultura ser apenas responsável por 2,2% do crescimento económico da África do Sul, a destruição dos campos de cultivo provocada pela seca está a conduzir a uma grave recessão económica.
Depois de 2015 ter sido o ano mais seco do último século e de a produção agrícola ter ficado muito abaixo do esperado, este ano o país terá de importar cerca de 4 milhões de toneladas de milho para fazer face às necessidades da população.
No início de fevereiro, as regiões de Mpumalanga, Limpopo, KwaZulu-Natal e Freestate estavam particularmente afetadas por esta seca, com os solos áridos e os níveis das barragens abaixo do normal.
Albert Ferreira, agricultor na província de Freestate há mais de sessenta anos, estava a contar que o seu terreno de 1000 hectares fosse um mar de verde, milho e girassóis, mas devido à falta de chuva a terra está desértica. “Normalmente, nesta altura do ano, o milho está pela altura do ombro, com um aspeto muito saudável e bonito. Mas a seca não nos deixou preparar os campos, e não conseguimos fazer nada. Agora é tarde de mais para plantar alguma coisa. Temos de esperar pela próxima estação. Nunca vi uma seca assim em toda a minha vida”, afirma.
Sem plantações para alimentar o seu gado ou dinheiro para comprar alimentos, Ferreira também vai ter de vender as suas vacas. “Começámos esta estação com cerca de 200 cabeças de gado, mas vendemos metade delas. Estamos agora a tentar vender a outra metade, porque não há comida para lhes dar”, explica o agricultor.
De acordo com a agência Reuters, o governo sul-africano tem vindo a pressionar os produtores a diminuir as suas cabeças de gado, uma vez que a seca tem vindo a destruir as pastagens e prevê-se que a produção de milho caia mais 25% este ano, chegando apenas às 7,44 milhões de toneladas.
Seca está a aumentar a má-nutrição da população
Um pouco acima da quinta de Albert Ferreira, o Pastor Martin Seliane está a distribuir água pelos membros da igreja. A falta de chuva fez com que os depósitos de água ficassem vazios e que não corresse água das torneiras. “Não há água desde outubro ou novembro do ano passado. As pessoas têm sede e este é um bonito gesto da nossa igreja”, diz o Pastor, que não quer que a comunidade gaste dinheiro em água engarrafada, uma vez que já têm de economizar para o resto do ano.
O milho é um dos principais alimentos para os sul-africanos mais pobres, que viram o seu preço aumentar drasticamente com a seca. Nesta quarta-feira (17.02), a UNICEF afirmou, em declarações à agência France Press, que cerca de um milhão de crianças nesta região estão a sofrer de má-nutrição severa. “O fenómeno El Niño vai diminuir, mas vai sentir-se o seu impacto nas crianças durante muitos anos”, disse a diretora regional da UNICEF, Leila Gharagozloo-Pakkala.
Megan Gilgan, conselheira regional de emergências da UNICEF, afirma ainda que “estamos a lidar com o início lento de uma crise que está a afetar diferentes países de diferentes formas. O panorama é devastador, com pouca ou nenhuma chuva a cair nas áreas afetadas”. Para além da fome e da má-nutrição, é possível verificar o aumento de casos de diarreia, cólera e febre tifóide.
A população da região da África Austral tem sofrido bastante com a falta de água e de alimentos, bem como com a subida dos preços, que tem feito com que várias famílias saltem refeições e vendam os seus bens.
Preços vão continuar a aumentar
As previsões ditam que os preços aumentem cerca de 20% este ano, agravando os efeitos da inflação que, em dezembro, se situava nos 5,2%. Jannie de Villiers, diretor executivo da Grain SA, associação de produtores da África do Sul, diz que será difícil recuperar dos efeitos desta seca a longo prazo. "Será que os agricultores conseguirão plantar de novo se eles não têm financiamento? Se não conseguirem pagar as suas dívidas [causadas pela seca deste ano], os agricultores não vão conseguir plantar no ano que vem, mesmo que chova", afirma.
Mas os efeitos da seca não se ficam por aqui. Vários agricultores estão a perder os seus empregos – a taxa de desemprego na África do Sul já se encontra nos 25%. “Muitos agricultores estão ocupados a reduzir o número de trabalhadores. Até aqui estamos a pensar fazer isso. E isso é mau, porque quando despedimos uma pessoa, toda uma família fica sem trabalho, sem comida, sem dinheiro”, confessa Albert Ferreira.