"A corrupção está em todo o lado na Guiné-Bissau"
21 de setembro de 2022O académico guineense Abdelaziz Vera Cruz diz que a corrupção é uma prática transversal na sociedade guineense, fomentada por quase todos os cidadãos.
"Há cerca de 20 ou 30 anos, a corrupção era mais vista na classe política, nos dirigentes. Mas hoje, a corrupção não é só ali, ela acontece em tudo. Até nas coisas mais banais há corrupção", diz Vera Cruz.
Em entrevista à DW, o também professor de crioulo no Instituto de Línguas da Universidade Nova de Lisboa lamenta que sejam as próprias pessoas comuns que alimentam a corrupção na Guiné-Bissau. O académico retrata o tema, de forma ficcionada, no seu mais recente romance "Não Havia Trânsito", publicado pela Nimba Edições.
Sabor amargo da corrupção
As personagens que usa no livro também sentem o sabor amargo da corrupção quando precisam de recorrer a outros serviços, adianta Vera Cruz.
"Qualquer guineense que lê o livro encontra nele as suas próprias práticas. Por exemplo, quando o comandante Codó vai ao hospital, encontra ali o médico que também pratica formas diferentes de corrupção, e ele vai sentir isso na pele quando exerce essa prática na sua atividade enquanto polícia de trânsito."
É um fenómeno que, em África, não se circunscreve apenas à Guiné-Bissau, acrescenta.
Face a isso, o jovem guineense radicado em Portugal, questiona: "O que é que a nossa ação diz relativamente à corrupção? Será que lutamos e combatemos a corrupção ou será que damos mais vida à própria corrupção?"
Corrupção e tráfico de droga
No ano passado, a Guiné-Bissau ficou na cauda da tabela do índice de perceção da corrupção da organização Transparência Internacional, na posição 162 num total de 180 países e territórios.
Abdelaziz Vera Cruz considera que há uma forte relação entre a corrupção, o branqueamento de capitais e o tráfico de droga na Guiné-Bissau. É por isso que, segundo o académico, a Guiné-Bissau se transformou, nos últimos anos, num "narco-Estado frágil e vulnerável".
"É uma sociedade em que as pessoas querem ganhar vida facilmente, sem grande esforço", considera Vera Cruz. "E se nós queremos ganhar a vida sem esforço, claro que podemos alimentar facilmente essas práticas."
Corrupção "beneficia" a classe política
O país está à beira de eleições legislativas, previstas para dezembro deste ano, e Vera Cruz não acredita que haja condições e vontade política para combater a corrupção sistémica. Até porque os próprios partidos fomentam as más práticas, acrescenta o académico.
Vera Cruz diz que as forças políticas guineenses "não fazem a campanha eleitoral numa perspetiva de mudança, de reformas estruturais. A campanha é baseada essencialmente em dar às pessoas os bens que elas querem. Vão a um determinado sítio fazer a campanha eleitoral, levam bens e distribuem [à população], é como uma compra de consciência."
O país assinala este mês 49 anos de independência, proclamada no dia 24 de setembro de 1973. Vera Cruz tem pena que as esperanças dos primeiros anos de independência estejam agora a esmorecer após várias crises políticas.
"As pessoas começam a ter menos esperança numa Guiné-Bissau melhor, numa Guiné-Bissau de progresso. Há pouca esperança porque a classe política está a matar essa esperança", conclui o académico.
No seu livro "Não Havia Trânsito", o escritor procura dar voz a essa esperança. E cita uma frase na página de abertura: "É possível o amanhecer. Contudo, é preciso que a noite termine". Na parte final, lê outra citação: "Vamos dormir, mamã. Amanhã é um outro dia e será um dia de sol com certeza".