"A liberdade é um paraíso": música de refugiados exilados na Alemanha
11 de janeiro de 2014Música feita por refugiados – é essa a proposta do projeto da banda alemã "Strom und Wasser" ("água e corrente") que convidou vários cantores e instrumentalistas, refugiados na Alemanha, para participarem na gravação de um CD a que se deu o nome "Freiheit ist ein Paradies" ("a liberdade é um paraíso").
Mega-digressão com mais de 200 concertos em toda a Alemanha
Os músicos não se limitaram a gravar, mas também organizaram uma mega-digressão que os levou a mais de 200 palcos em todo o país. Essa digressão chegou agora ao fim e os músicos voltaram "à estaca zero", ou seja: muitos deles estão ameaçados de serem expulsos da Alemanha, pois os seus pedidos de asilo político não foram reconhecidos e os músicos receberam apenas uma autorização de estadia provisória, válida no período da digressão.
Heinz Ratz, mentor do projeto, critica política alemã de refugiados
O músico e compositor alemão Heinz Ratz, o líder da banda "Strom und Wasser", é o coordenador deste projeto inovador que cativou o interesse do público alemão. É ele também quem escolheu os músicos. São, ao todo, 30 músicos internacionais, que até à data participaram no projeto que dá pelo nome de "Strom und Wasser feat. The Refugees".
Tudo começou em 2011: os quatro músicos alemães que integram a banda "Strom und Wasser" decidiram visitar lares de refugiados, um pouco por toda a Alemanha, e convidar alguns deles a participarem no projeto. E muitos aceitaram a proposta, que se transformou numa nova perspetiva de vida.
"No início não foi fácil, foi mesmo muito chocante, visitar os centros de acolhimento de refugiados na Alemanha", lembra-se Heinz Ratz. "Fomos a cerca de 80 centros e vimos as péssimas condições em que vivem os refugiados: a comida escasseia, não lhes são dadas oportunidades de formação, a assistência médica é precária. Muitos ficam nesses centros durante 10 ou 20 anos."
O Governo federal da Alemanha reconheceu o empenho de Ratz e por isso decidiu condecorá-lo com a medalha de mérito da integração. Uma condecoração que provocou reações contraditórias, ao ponto de Heinz Ratz ter pensado rejeitar esse prémio: "É uma autêntica anedota o facto do Governo me dar essa medalha, o mesmo Governo que é responsável pelo tratamento desumano das pessoas que procuram exílio na Alemanha."
Músico Revelino: "refugiados não são criminosos nem assassinos"
A reportagem da DW assistiu a um dos concertos na Brotfabrik, um conhecido palco de concertos na cidade de Bonn. Revelino Mondehi sobe ao palco. Já está habituado às luzes dos holofotes. Pois tem sido assim praticamente todos os dias. Muitos no público já conhecem Revelino. Ele é talvez o mais conhecido dos dez artistas que participam no projeto.
Na sua cantiga "Babylon" Revelino fala da falta de liberdade que sente quando regressa aos lares de refugiados, em que viveu quando veio para a Alemanha à procura de asilo. Uma licença especial passada pelas autoridades alemãs autoriza Revelino a viajar dentro da Alemanha. Só com essa licença lhe é possível participar na digressão.
A odisseia de Revelino
Revelino tem hoje 27 anos de idade. Depois da sua vinda à Alemanha viveu ano e meio num lar de refugiados na cidade norte-alemã de Oldenburg, onde dividia um quarto com quatro outros refugiados.
E enquanto não era reconhecido oficialmente não podia sair da cidade que o albergou temporariamente, a não ser que conseguisse uma autorização especial, o que de facto aconteceu, devido à sua participação no projeto musical dos "Strom und Wasser".
Foi em 2010, que Revelino entrou na Alemanha, escondido a bordo de um barco de mercadorias, uma viagem que quase lhe custou a vida, por falta de comida. Chegado à Alemanha pediu o estatuto de refugiado, mas a resposta tarda a surgir.
Revelino lembra-se que a sua fuga da Costa do Marfim para a Alemanha foi uma autêntica odisseia. Levava apenas quatro garrafas de água para uma viagem no mar que durou cerca de dez dias. Tentou pedir ajuda, mas só foi descoberto "no último minuto" por membros de uma tripulação dum outro barco, que lhe deram água e comida.
Quando chegou a Hamburgo foi entregue à polícia que o algemou e levou para a esquadra, onde fez o pedido de asilo. A detenção de Revelino em Hamburgo fez lembrar o dia em que foi preso pela polícia marfinense, em pleno período de crise no seu país. Os traumas custam a ser digeridos...
Foi a música que ajudou Revelino a digerir os traumas da perseguição. Na Alemanha arranjou tempo para aperfeiçoar a sua arte e também começou a compor. Quando o contataram para fazer parte do projeto musical "água e corrente" abraçou a ideia com muita força de vontade. Hoje sente-se livre. O projeto ajudou-o a sair do isolamento. Deixou de ficar fechado no lar dos refugiados. Revelino diz sentir-se "útil na sua luta por um objetivo".
Os pedidos de asilo
Em 2012, dezenas de milhar de pessoas pediram exílio na Alemanha. A maior parte dos refugiados vieram do Afeganistão, da Síria ou da Sérvia. Do continente africano vieram ao todo 9.000 pessoas.
Um em oito pedidos de exílio acabam por ser rejeitados pelas autoridades alemãs. Nestes casos os requerentes são obrigados a abandonar o território alemão.
O caso de Revelino ainda não foi decidido. Atualmente tem apenas uma autorização provisória de estadia. Portanto: a qualquer momento poderá ser expulso para a Costa do Marfim.