"A mãe do terrorista": História da radicalização de um filho
22 de outubro de 2018Numa manhã de sábado, em 2015, o telefone de Sabine Lappe tocou. Era o seu filho, Christian, então com 27 anos. "Mamã, estamos na Turquia", disse. "Estamos à espera de transporte para a Síria".
Juntamente com a sua mulher, Yasmina, Christian tinha deixado a Alemanha clandestinamente para se juntar ao grupo radical Estado Islâmico. Sabine Lappe implorou-lhe que voltasse. Mas foi em vão. "Não, não vamos voltar. Vamos para onde a palavra de Alá não pode ser alterada", respondeu.
Uma conversa dolorosa
Sabine tem cerca de 50 anos e vive sozinha num pequeno apartamento na cidade de Dortmund, na Alemanha. Não há fotos de Christian na sala, mas a sua túnica ainda está pendurada junto à porta de entrada. "Vai ficar para sempre ali", diz, numa voz determinada.
O apartamento é o seu refúgio. Sabine não sai muito. É a mãe de um terrorista. Mas é também uma mãe que perdeu o filho, mesmo que ninguém chore por ele com ela. "Eu amo-o", diz. "Mas, no fim, não restava nada daquilo que o Christian costumava ser".
A DW contactou o departamento de segurança do Estado da polícia para comentar o caso de Sabine Lappe. No entanto, por "razões de proteção de dados" não obteve qualquer declaração.
Sabine fala depressa. Admite que está nervosa por falar aos média. A história de Christian acaba por ser também a história da vida de Sabine. Durante várias horas, descreve como viveu a radicalização do filho.
Os primeiros golpes do destino
Christian era uma criança inteligente, desejosa por aprender e brincalhona, diz a mãe. Criou-o sozinha. Quando, mais tarde, o filho começou a consumir drogas, ficou ao seu lado.
Na adolescência, Christian ficou doente. Durante muito tempo, ninguém saia o que se passava com ele. "Estava a desaparecer. Comia, mas mesmo assim estava cada vez mais magro", conta Sabine. "Os médicos pensavam que podia ser anorexia, talvez por motivos psicológicos".
Aos 20 anos, foi levado para o hospital para ser operado de urgência. Os médicos diagnosticaram-no com uma infeção intestinal conhecida como doença de Crohn.
Uma nova fé
Quando acordou da anestesia, conta Sabine, o filho prometeu agradecer a Deus ter-lhe dado uma segunda oportunidade na vida. Até então, Christian nunca tinha tido qualquer contacto com o Islão, muito menos com a sua forma ultra-conservadora, o salafismo. A família era católica.
Após várias cirurgias, a saúde de Christian melhorou. Voltou para a escola para obter as qualificações necessárias para estudar psicologia na universidade. Conheceu alguns jovens com raízes marroquinas e tunisinas que elogiavam o Islão e o seu entusiasmo acabou por contagiar Christian.
Em 2012, "de repente, chegou a casa e disse-me que estava a pensar em converter-se", lembra a mãe. Na altura, também Sabine Lappe estava a atravessar uma crise: o seu parceiro tinha morrido de repente e ela procurava um novo sentido para a vida. Como o seu filho tinha encontrado algo que o fazia feliz, também ela começou a interessar-se pelo Islão. Converteu-se seis meses depois de Christian. Diz que a nova fé fez dela "uma pessoa equilibrada".
As primeiras divergências
Quando sai do apartamento, Sabine cobre a cabeça. "Mas a cara continua à mostra, não uso um niqab. Não acho apropriado. Estamos na Alemanha".
Foi esta questão que causou as primeiras discussões com Christian, lembra. "Rapidamente, ele tornou-se muito mais radical nos seus pontos de vista". O facto de a sua mãe ir todas as semanas a um mercado alemão, conversar com um vendedor e apertar-lhe a mão enraivecia-o. "Mamã, não faças isso, é haram (proibido)", dizia-lhe.
Mas Sabine não suportava as objeções do filho: "Eu aperto a mão a toda a gente, quando acho que é assim que deve ser. Não a um muçulmano, claro. Mas não posso de repente dizer ao senhor Müller, que me vende tomates há 15 anos, 'desculpe, já não posso, agora sou muçulmana'".
Christian acabaria por terminar o ensino secundário em 2013. Nessa altura, já era um visitante regular da mesquita Taqwa, em Dortmund. Sabine ia com ele. Queria ver onde e com quem é que o filho passava o seu tempo. "No início, fiquei muito impressionada. Como alemã, vais lá e todos te adoram. Celebram-te. Era como ser alguém famoso", recorda.
"Não se limitem a repetir"
Mas também havia coisas de que Sabine não gostava. "Reparei que muitas mulheres se limitavam a repetir o que os seus maridos lhes diziam", diz.
"Questionei-as abertamente sobre isso e disse-lhes: 'leiam o Corão por vocês, não se limitem a repetir'".
As palavras não caíram bem. Christian também sentiu a tensão. "Ele foi abordado pelos irmãos de fé. Disseram-lhe para me pôr na linha, porque eu estava a virar a mesquita de pernas para o ar. E ele disse-me para parar". Sabine não estava preocupada, nesta altura: "Pensei que ele tinha de provar o que valia, como um alemão muçulmano".
Um encontro com consequências
Em 2014, Christian conheceu a sua futura mulher, Yasmina. Vinha de uma família marroquino-alemã e tinha abordado Sabine nas orações de sexta-feira quando tinha 17 anos. Queria casar com um muçulmano com fortes convicções religiosas, por isso Sabine Lappe apresentou-os. Não sabia que Yasmina procurava um marido para poder ir para a Síria.
Sabine acredita que a nora foi o motor da radicalização do filho. "Christian gostava muito desta jovem que o aceitava tal como era", conta. "Com as suas cicatrizes do acne, a doença de Chron e as visitas ao hospital".
Seis meses depois de se conhecerem, casaram-se numa mesquita em Frankfurt. No início de 2015, Yasmina disse pela primeira vez à sogra que ela e o Christian planeavam juntar-se ao Estado Islâmico na Síria. "Infelizmente, não a levei a sério, porque ela ainda era uma criança".
Planos concretizados
Partiram em setembro desse ano. No início, Sabine recebia chamadas e mensagens regularmente via WhatsApp. Mas também havia semanas sem qualquer contacto. Era sempre o Christian que ligava, de números diferentes. "Estava em Raqqa, em Idlib e em Abu Kamal. E uma vez também no Iraque", lembra.
Tentou várias vezes dissuadi-lo mas, "por muito que soe a loucura, ele estava naquilo de alma e coração".
"Depois, apareceu o vídeo. Foi nesse momento que ele se tornou um estranho para mim", diz Sabine. Refere-se a um vídeo publicado na Furat Media, uma plataforma online associada ao Estado Islâmico. Mostrava Christian – que tinha adoptado o nome Abu Issa al-Almani – a apelar abertamente a ataques em solo europeu e a beijar a cabeça de um homem cuja mão tinha acabado de ser cortada com um machado.
O filme não deixava claro se era Christian que empunhava o machado, mas a mãe ficou devastada. Quando falou com ele novamente, disse-lhe que não havia qualquer referência no Corão às imagens que tinha visto.
"Foi aí que a batalha começou. Ele virou-se contra mim, chamou-me infiel e disse-me que eu não entendia a minha religião, que tinha vergonha de mim", conta.
Com o vídeo, ficou claro para Sabine que o filho não iria voltar. Não apenas porque isso significaria passar anos atrás das grades, mas porque ele acreditava claramente no que estava a fazer: "E é isso que torna tudo tão difícil para mim. O Christian queria ficar na história e morrer pela causa como um alemão muçulmano".
Pouco tempo depois, Christian disse à mãe que Yasmina estava grávida. Um evento que, segundo Sabine, só o tornou ainda mais radical.
Perder duas crianças
A 1 de agosto de 2017 Sabine falou com o filho pela última vez. "Ele disse-me que ia lutar, que podíamos nunca mais nos ver e que me amava", lembra. Acredita que Christian pressentiu que ia morrer. Tinha escolhido um novo marido para Yasmina, um combatente iraquiano, caso lhe acontecesse alguma coisa.
Um mês e meio depois, o telefone de Sabine voltou a tocar. Desta vez era a nora, para lhe dizer que o filho tinha morrido como um mártir na luta em nome de Alá. Para Sabine, Christian não morreu por Alá, mas sim na luta pelos criminosos do Estado Islâmico.
A história persegue Sabine. É muitas vezes reconhecida e interrogada. Na farmácia do seu bairro, há quem recuse atendê-la. E deixou de ir à mesquita, onde a comunidade teme que Sabine manche a sua reputação. "Não importa onde vais, és a falhada, a mãe que falhou, a mãe do terrorista. És a islamista, a salafista", diz.
O seu neto nasceu em 2017, na Síria. Mais do que tudo, Sabine queria tê-lo no colo, mas duvida que isso vá acontecer.: "É tão difícil, como mãe, saber que não vais apenas perder uma criança, mas uma segunda também".