Primavera Árabe fomentou cultura de manifestações em Angola
27 de fevereiro de 2017A 7 de março de 2011 começava em Angola uma onda de manifestações inspiradas na Primavera Árabe – os protestos e revoltas populares iniciados no Médio Oriente e no norte de África em 2010. Os angolanos saíram às ruas para pedir a destituição do Presidente Eduardo dos Santos e do seu regime. Os protestos foram violentamente reprimidos pela polícia. Vários ativistas, apelidados pela imprensa de "Movimento Revolucionário", foram detidos e sujeitos a maus-tratos nas cadeias de Luanda. Mais tarde, em 2015, 17 ativistas acusados de estarem a preparar um golpe de Estado foram presos e condenados, num processo que ficou conhecido por 15 + 2. Os ativistas foram libertados no ano seguinte.
Primavera Árabe teve início na Tunísia
Tudo começou em dezembro de 2010, quando o jovem tunisino Mohamed Bouazizi ateou fogo ao seu próprio corpo depois da polícia o ter proibido de vender frutas e legumes nas ruas da Tunísia. A situação provocou uma onda de protestos que derrubou o Governo de Ben Ali e outros no norte de África como o regime de Hosni Mubarak no Egito.
À DW, Coque Mukuta, jornalista e co-autor do livro "Os Meandros das Manifestações em Angola", confirma que foram os acontecimentos no mundo árabe que estiveram na base dos protestos em Angola. "Foi essencialmente por causa dos ventos da Primavera Árabe e pela influência das redes sociais no país. Estas duas questões levaram os jovens a poderem exprimir algumas preocupações que a juventude tinha. Eu falo, por exemplo, das questões ligadas ao trabalho e condições de vida e decidiram então protestar", afirma.
Primeira manifestação em Angola é convocada em fevereiro de 2011
A 23 de fevereiro de 2011, um cidadão anónimo convocou, através do Facebook, uma manifestação contra o Governo de Luanda para a madrugada de 7 de março desse ano. Segundo Coque Mukuta, essa pretensão tornou-se pública com o apelo feito pelo rapper e ativista Luaty Beirão num espetáculo em Luanda.
"Nas nossas investigações percebemos que eram duas figuras: uma na Alemanha que entendia de tecnologia, que é Mongove, que fez uma convocatória online e colocou aqui um jovem que recebia as chamadas para dar credibilidade à convocação da manifestação. Mas ela foi mais divulgada no espetáculo onde Luaty Beirão esteve e fez um apelo público", acrescenta.
A manifestação convocada para o Largo 1º de Maio, no centro da capital angolana, não se chegou a realizar. No entanto, a polícia deteve vários ativistas, como Casimiro "Carbono” e Luaty Beirão. E também jornalistas, entre os quais Ana Margoso, Afonso Francisco, Pedro Cardoso e Idálio Kandé.
Como explica Coque Mukuta no seu livro, todos eles foram levados para a Direção Provincial de Investigação Criminal (DIPC), no Comando Provincial de Luanda.
O dia 7 de março de 2011 acabava de entrar para a história de Angola como o início das manifestações inspiradas na Primavera Árabe, dá conta o ativista M'banza Hamza. "Às 14 horas tinha ido ao largo para ver se poderia vir alguém já que os demais já tinham sido presos e soltos às 11 horas. Ia informar que já tinha acontecido alguma coisa de manhã e aí nasce, então, quase tudo”, lembra. A sigla "7311" – por 7 de março de 2011 – ficou como símbolo do movimento das manifestações.
Manifestações alargaram-se a todo o país
Depois de Luanda, realizaram-se protestos em Benguela, Huila, Malanje, Cabinda e outras regiões do país. Nasce, então, a cultura de protestos e de reivindicações contra as políticas públicas e a queda do Presidente Eduardo dos Santos e do seu Governo. "O mote da nossa luta tem sempre sido o fim da ditadura, o fim de Eduardo dos Santos, o fim do MPLA. Novo Governo, nova Constituição, nova forma de fazer política, libertação das instituições públicas e garantia das liberdades fundamentais”, frisa o ativista M'banza Hamza.
Dando conta que, inicialmente, a polícia angolana não reprimia as manifestações, M'banza Hamza lembra os protestos de 2 de abril de 2011, realizados sob o lema "Liberdade de expressão em Angola”, nos quais políticos e membros de organizações não-governamentais, como AJPD, SOS Habitat e OMUNGA, gritaram palavras de ordem contra a má governação angolana. "Não houve repressão e a polícia nem sequer importunou. Estiveram lá para cumprir o seu dever de proteger. Deixaram as coisas acontecer”, afirma o ativista, lembrando que, nesse mesmo dia se gritaram palavras de ordem como "Zé Du fora, 32 é muito, ditador”.
"Todas estas coisas pareciam não ser ofensivas nesse dia. Acho que isso terá despertado a necessidade de começarem depois a parar as manifestações (futuras). Acho que a situação os preocupou”, acrescenta o ativista.
Manifestações tornaram-se mais violentas
Menos pacífica foi a manifestação de 3 de setembro de 2011. Os manifestantes que exigiam nas ruas a renúncia do Presidente José Eduardo dos Santos foram violentamente reprimidos pela polícia. Foram detidos, julgados e condenados a penas entre os 40 e os 90 dias de prisão. Elementos não identificados também raptaram ativistas e intimidaram jornalistas, incluindo profissionais da Televisão Pública de Angola (TPA). M'banza Hamza lembra que a repressão foi condenada por organizações internacionais como a Human Rights Watch.
"No dia 3 de dezembro, na manifestação que fizemos no tanque do Cazenga, depois de termos saído da prisão, houve mesmo brutalidade séria, já deu em feridos, feridos graves. Em 2012, o regime entrou mesmo a bater. As tentativas de manifestações em Cacuaco, em abril, deram em ferimentos e choros. Já não nos deixavam reunir. Contrataram os 'caenches', a nova política era essa”, conta.
Aumentam também as detenções
A partir de 3 de setembro de 2011, tornam-se frequentes as detenções de manifestantes. E também a intimidação. As casas dos contestatários foram invadidas muitas vezes. E materiais como computadores foram apreendidos por homens desconhecidos.
"Invadiram a casa dos meus pais. Bateram à minha mãe, ao meu pai e à minha irmã, quando eram duas horas da manhã. Eles foram para me executar. A sorte é que eu não estava em casa”, conta à DW o jovem ativista Nito Alves. Ele ficou conhecido por ter sido preso por ter vestido uma t-shirt com um slogan contra o Presidente angolano.
Nos movimentos reivindicativos, nem os jornalistas, nacionais e internacionais, são poupados. Coque Mukuta, por exemplo, diz que, desde o início dos protestos em Angola até 2016, já foi detido mais de dez vezes em cobertura de manifestações. "Cerca de 14 vezes ou mais. Desde 2011, acho que só neste ano de 2017 é que não fui detido”, afirma.
Detenção de jovens ativistas sob suspeita de estarem a preparar golpe de Estado
Em 2015, os "revús” trocaram os protestos de rua por uma sala onde discutiam temas sobre mudanças políticas em Angola. Em palestras, interpretava-se o livro "Ferramentas para Destruir um Ditador e Evitar uma Nova Ditadura”, escrito pelo jornalista e docente universitário Domingos da Cruz. Uma obra que é o resultado da adaptação do livro "Da Ditadura à Democracia", do norte-americano Gene Sharp.
Segundo o ativista Nito Alves, a iniciativa da discussão do livro foi do próprio autor, Domingos da Cruz. No entanto, este encontro acabaria por custar-lhes caro. Foram detidos, em junho deste mesmo ano, sem mandado de captura. Foram julgados e condenados, a 28 de março de 2016, a penas entre dois e oito anos de prisão. Seriam postos em liberdade, por amnistia, em julho do mesmo ano.
Como surgem as denominações "Revús” e "Movimento Revolucionário”?
Quando surgiu, o grupo de contestatários das políticas públicas do Governo angolano não tinha nome nem líder. O jornalista Coque Mukuta não se lembra do ano em que surgiu a designação dada aos manifestantes, mas sabe que foi a imprensa que apelidou os jovens ativistas de "Movimento Revolucionário” ou "Revús”. "Depois houve uma certa instrumentalização por parte de alguns partidos políticos que queriam que tivesse um nome e um líder. Os média continuaram a chamar-lhe "Movimento Revolucionário”, afirma.
O denominado "Movimento Revolucionário” sempre usou expressões como "32 é muito” para se referir à longevidade de Eduardo dos Santos no poder e "Ti Zé fora”, entre outras.
Mas Nito Alves, na altura com apenas 17 anos, foi mais longe usando palavras que lhe custaram um processo por difamação e calúnia contra o chefe de Estado angolano, em 2013. Por causa desse caso, o jovem "revú” passou a ser chamado pela imprensa angolana de "preso do Presidente”. "Fui detido pelos mesmos que invadiram a minha casa em 2011”, afirma.
Manifestações abrandaram nos últimos tempos
Nos últimos tempos, não têm sido convocadas muitas manifestações em Angola. Questionado sobre se o processo dos 17 intimidou os ativistas, M'banza Hamza responde: "Intimidaram-nos? Quando saímos da cadeia, marchámos até à União dos Escritores Angolanos para deixar a mensagem de que não nos pararam. Os protestos vão continuar”, assevera.
Uma coisa é certa: a Primavera Árabe e os "Revús” trouxeram a cultura das manifestações para Angola. Coque Mukuta não tem dúvidas: "Há uma cultura. Há uma capacidade agora de perceber os direitos dos cidadãos que poderão ser reivindicados.”