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Crise e censura em Angola

Nelson Sul d'Angola/Benguela21 de janeiro de 2016

A coincidência parece muito grande e os jornalistas não têm dúvida: a rescisão dos contratos com os jornais independentes pelas gráficas é uma manobra política para amordaçar a imprensa crítica.

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Foto: António Cascais

Mais de uma dezena de jornais, incluindo os semanários "Folha 8", "O Crime", "Manchete" e o "Grandes Notícias", correm o risco de parar de publicar nos próximos dias. A sua gráfica enviou-lhes uma carta, suspendendo a impressão dos jornais por tempo indeterminado. A gráfica alega falta de matéria-prima, como papel e tinteiros, para continuar a imprimir os jornais, por causa da crise económica.

Numa carta de rescisão, a gráfica Lito Tipo informa que as taxas alfandegárias e os preços das matérias-primas compradas fora do país são demasiado altos. Por isso, para a gráfica, seria insustentável a impressão dos jornais.

Em entrevista à DW África, Mariano Brás, o diretor do semanário "O Crime", confirma ter recebido a carta. O jornalista desconfia que haja motivos políticos por detrás desta decisão: “Há indícios de que esta é uma orientação por parte do regime, que se enquadra nos planos das eleições”. Em Angola realizam-se eleições gerais a 17 de agosto de 2017.

Mariano Brás
Mariano Brás, diretor do semanário "O Crime"Foto: Nelson Sul D'Angola

Perigo para a democratização

O diretor d'"O Crime" disse que tentou recorrer a outra gráfica, a Damer, que também recusou imprimir o jornal, apresentando os mesmos motivos. Contatou ainda uma pequena gráfica nos arredores de Luanda, mas: “Esses pelo menos foram claros em dizer que não podem imprimir jornais opostos ao Governo. É o que se presume que está a acontecer também com as outras gráficas. Por exemplo, a Damer está a fazer a impressão de outros jornais. Curiosamente são jornais que já foram comprados por elementos do Governo. Só os chamados independentes, pura e simplesmente não têm acesso às gráficas”.

Francisco Kabila, diretor do jornal "Manchete", também confirma ter recebido a carta de rescisão de contrato por parte da gráfica Lito Tipo. Dado o momento político e económico que o país atravessa e avizinhando-se o escrutínio de 2017, o jornalista não tem dúvidas de que o regime pretende calar de uma vez por todas a imprensa independente: “Este foi mesmo o fim da picada. Não há como sobreviver”. Francisco Kabila alerta para as consequências nefastas que poderá ter esta situação para o processo de democratização do país, que não pode prescindir de uma imprensa independente.

Angola Francisco Kabila, Herausgeber der Zeitung Machete
Francisco Kabila, diretor da MancheteFoto: DW/N. Sul d'Angola

Gráficas são de figuras ligadas ao poder

A DW África tentou contatar o responsável da gráfica Lito Tipo, Fernando Campos, mas este não atendeu os nossos telefonemas. Em Angola, além da Lito Tipo, a outra gráfica com capacidade para impressão de jornais é a Damer. Ambas as gráficas pertencem a figuras ligadas ao partido no poder, o MPLA, e ao círculo presidencial, entre eles o general Manuel Vieira Dias "Kopelipa", ministro de Estado e chefe da casa militar do Presidente da República, e Aldemiro da Conceição, também ligado à Presidência.

“Pernas cortadas”

Esta situação reforça a suspeita dos jornais de que se trata de manobra política. Outra publicação afetada é o jornal "Grandes Notícias". O seu administrador-geral, Valter Daniel, argumenta que, se a medida não tivesse como objetivo pôr fim à circulação de publicações independentes, a gráfica teria optado por uma ação menos drástica, por exemplo, cobrando mais pela impressão para pagar o custo acrescido do material: “Mas eles nem fizeram isso. Apenas, de um dia para o outro, cortaram-nos as pernas. Não sei como nos vamos safar desta”.

A DW África não conseguiu entrar em contato com o diretor do semanário "Folha 8", o jornalista William Tonet. Mas este será outro jornal que poderá ver suspensa a publicação das suas edições.

O secretário-geral do Sindicato dos Jornalistas Angolanos diz que já está a par da situação. Teixeira Cândido comenta que a democracia não se constrói apenas com um ou dois jornais. Por isso, apela à intervenção urgente do Governo para salvar a diversidade da imprensa angolana: “É uma situação de profunda tristeza. Estamos a olhar para o eventual encerramento de jornais com a possibilidade de perda de emprego para muitos jornalistas. É claro que o sindicato não podia estar mais triste”.

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