Anúncio da segunda volta eleitoral guineense poderá ter despoletado golpe de Estado
13 de abril de 2012A intervenção armada aconteceu, por um lado, na véspera do início da campanha eleitoral para a segunda volta das eleições presidenciais (marcadas para 29 de abril), e por outro, na mesma semana em que Angola anunciou a retirada da sua missão de apoio à reforma do setor militar da Guiné-Bissau, a Missang.
A DW África falou com Paulo Gorjão, diretor do IPRIS, Instituto Português de Relações Internacionais e de Segurança, que começou por dizer que a Missang era entendida como um corpo armado que retirava espaço de manobra e influência às Forças Armadas guineenses num clássico conflito entre estas e o poder civil. Mas para o analista, contudo, a razão primária para o golpe de estado é outra.
DW África (DW): Até que ponto o anúncio da retirada da Missang da Guiné-Bissau terá aberto a porta para este aparente golpe de Estado ou intervenção militar?
Paulo Gorjão (PG): Eu penso que o golpe, mais do que o anúncio da retirada, é desencadeado sobretudo pelo anúncio de que a segunda volta das eleições iria ter lugar, como previsto, embora com uma semana de atraso [no dia 29 de abril].
E como era previsível que o vencedor seria Carlos Gomes Júnior, era evidente que, sob a designação da Missang ou com uma outra formulação qualquer, a presença mais ou menos diluída de forças militares angolanas seria para continuar. Aliás o anúncio da retirada é, a meu ver, uma resposta à continuação do processo eleitoral.
[Convém lembrar que] nos últimos acontecimentos violentos que ocorreram em Bissau Carlos Gomes Júnior se refugiou na embaixada de Angola em Bissau.
Portanto, tudo junto criou este caldo num país onde as Forças Armadas têm um papel altamente desestabilizador e que respondem muito pouco aos incentivos da parte da comunidade internacional no sentido de adotarem uma postura do estilo de um exército moderno, um exército que não intervém na esfera civil, no poder político, etc.
DW: Então não se pode falar numa coincidência de datas?
PG: Salvo nenhum dado imprevisível, essas eleições serão ganhas por Carlos Gomes Júnior que os militares entendem que está altamente alinhado com o poder angolano.
À partida, esta é a causa imediata, depois há causas que têm que ver com esta conjuntura e com esta relação que se tem vindo a deteriorar entre as Forças Armadas da Guiné-Bissau e o Estado angolano. Que as Forças Armadas angolanas têm um armamento que está para além daquilo que foi estipulado e para a função que desempenham, não é mais do que um dos pretextos para criar um incidente. Recordo-me que existem declarações de militares na Guiné-Bissau a pôr em causa o facto de os militares angolanos terem coletes à prova de balas.
DW: Como vê a relação dos militares guineenses com o primeiro-ministro Carlos Gomes Júnior?
PG: Em particular com António Indjai [chefe do Estado General das Forças Armadas da Guiné-Bissau] é péssima desde sempre.
Houve um golpe militar em 2010 que depôs o antigo chefe de Estado Maior General das Forças Armadas, o general Zamora Induta, que aliás está agora refugiado nas instalações da União Europeia em Bissau, e que chegou a ameaçar de morte Carlos Gomes Júnior.
Portanto, essa relação foi sempre má, em função das circunstâncias internas e externas havia sempre uma espécie de um acordo tácito em que, na prática, Indjai tolerava Carlos Gomes Júnior. Mas Carlos Gomes Júnior é, talvez nos últimos anos, dos políticos e dos intervenientes civis com mais influência e com mais prestígio junto da comunidade internacional e tudo isso, naturalmente, joga em desfavor dos militares. Isto era um pouco quase como um golpe adiado que esperava melhores circunstâncias. As relações entre os dois não vão melhorar, seguramente, no futuro.
DW: Esta não é a primeira vez que acontece um golpe de Estado na Guiné-Bissau, pelo contrário, a Guiné-Bissau é constantemente palco de golpes militares, assassinato de figuras da política, do exército, de outros atos que levam à instabilidade do país. Acha que a necessidade de reforma das Forças Armadas guineenses é agora mais gritante do que nunca?
PG: Desde sempre a reforma das forças de segurança é o ponto central do processo em curso na Guiné-Bissau. Acontece que, do ponto de vista da comunidade internacional, há já uma enorme fadiga, uma enorme saturação com a Guiné-Bissau. Aliás, basta lembrar o que aconteceu com a União Europeia, que precisamente na sequência dos acontecimentos de 2010 pôs fim à sua intervenção no processo. Depois o processo foi seguindo o seu trâmite e a União Europeia, apesar de tudo, sempre manteve alguma presença, mas uma presença muito “low profile” em relação àquilo que era. Há menos vontade em ajudar a Guiné-Bissau quando essa necessidade de ajudar é ainda mais necessária, mais urgente.
Autora: Marta Barroso
Edição: Glória Sousa / António Rocha