"João Lourenço pôs Angola no radar da União Europeia"
4 de julho de 2018Ana Gomes considera que o discurso de João Lourenço no Parlamento Europeu foi "claro". Para a eurodeputada, a mensagem e objetivos partilhados pelo Presidente angolano são "salutares" mas é preciso ter resultados. Faltou também mencionar certos desafios que o Governo angolano enfrenta, particularmente, no que diz respeito ao caso de Rafael Marques, que considera ser uma dificuldade e contradição à mensagem que o Presidente propõe.
DW África: No final do discurso cumprimentou João Lourenço. No Twitter partilhou que lhe perguntou acerca do julgamento de Rafael Marques e o porquê de ser ele a ser julgado e que João Lourenço só se riu e encolheu os ombros. Não falaram de mais nada?
Ana Gomes (AG): A minha interpretação é que o Presidente entende que isso é um assunto que está no domínio da Justiça. Mas não é só Justiça, uma vez que a Procuradoria-Geral, que acusa Rafael Marques, está ligada ao atual poder político. Mas também tive a oportunidade de transmitir a João Lourenço como tinha apreciado a ligação que ele tinha feito ao relembrar a contribuição dos africanos na construção das economias mundiais por terem sido vítimas da escravatura e o fenómeno hoje das migrações, onde ele sublinhou que havia responsabilidades coletivas do lado africano e do lado europeu, e que era uma vergonha para a maioria dos africanos, por um lado, que os seus tivessem de fugir da miséria, má governação e opressão e que é uma questão que tem de ser gerida de forma solidária entra a Europa e a África. Eu penso que ele tem razão porque eu também me envergonho de certas posições que líderes europeus têm hoje em relação ao fenómeno das migrações e apoio a refugiados.
DW África: Uma vez que não havia espaço para os eurodeputados colocarem questões ao Presidente angolano, enviou ao Presidente do Parlamento Europeu, António Tajani, sete perguntas, particularmente, relacionadas com corrupção e direitos humanos. Viu algumas das suas questões respondidas?
AG: Ele [João Lourenço] tocou em várias das questões que abordo em várias das minhas perguntas. As minhas perguntas são questões muito concretas. Têm a ver com aspetos que ele referiu como objetivos, como o combate à impunidade, o combate contra a corrupção. Eu ponho questões muito concretas, é evidente que não tive resposta a estas questões mas ainda espero ter. Apesar de tudo, penso que foi positivo o Presidente angolano ter vindo, não só pelo discurso que foi importante, e positivo, mas, ao vir, pôs Angola no mapa, no radar da União Europeia, e penso que isso é bom para Angola e para a União Europeia.
DW África: João Lourenço falou que está a levar a cabo uma “cruzada contra a corrupção”. Nota que há de facto sinais de melhoria ou ainda é preciso passar das palavras aos atos?
AG: Já muito mudou, como vimos, aliás, com a limpeza que o Presidente fez com a família dos Santos, da Sonangol, etc. Mas não basta ficar por aí. É preciso que as pessoas sejam responsabilizadas. Os principais tubarões da corrupção em Angola são conhecidos, não são só elementos da família dos Santos, são pessoas ligadas por exemplo, ao partido do poder e muitos outros. Em todos esses casos, tem de haver justiça e o povo tem de ver que se faça justiça. Só dessa maneira se vai ser capaz de combater corrupção a todos os níveis. Se não se for aos grandes tubarões, que são perfeitamente conhecidos da sociedade angolana, então esse combate não vai ser eficaz e não se vai traduzir em dividendos a todos os outros níveis da sociedade angolana.
DW África: Também foi dito que Angola vê na UE um importante parceiro. O que é que a UE pode fazer para melhorar a situação desse país?
AG: Desde logo, ter políticas de desenvolvimento e outras políticas integradas: comerciais, agrícolas, de todo o tipo, que invistam na capacitação da sociedades civis, porque são as sociedades civis que vão ter capacidade de pedir contas aos governantes, seja na luta contra a corrupção, seja no combate pelos direitos humanos. A UE pode fazer muito e precisa de políticas consequentes. Políticas que efetivamente promovam os objetivos do desenvolvimento sustentável.
DW África: Hoje, a FLEC-FAC, em comunicado, apelou à intervenção do Parlamento Europeu para travar a escalada de repressão e ocupação angolana em Cabinda. Acompanha esta questão? Cabe ao Parlamento Europeu pronunciar-se?
AG: Eu não apoio nenhuma agenda separatista em Cabinda, mas percebo que o povo de Cabinda tem particulares queixas porque, por um lado, sabe que é um dos territórios mais ricos do país, que fornece, designadamente, o petróleo, que é um dos principais recursos que sustenta a governação do país. Por outro lado, não vê os dividendos disso traduzido em benefícios, serviços públicos, etc. Espero que isso mude, se não, a agenda separatista alimentar-se-á disso.