Angola: A revolta com o MPLA é cada vez mais violenta
22 de março de 2022Em janeiro deste ano, um grupo de manifestantes deitou fogo à sede do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), no distrito do Benfica, em Luanda. Dois meses depois, outra sede do partido governamental foi incendiada na província do Uíge.
As eleições gerais, previstas para agosto, aproximam-se a passos largos. Será que a situação pode piorar à medida que o escrutínio se aproxima?
O jornalista angolano José Gama teme que sim, pois "as pessoas estão a identificar o MPLA como a fonte dos seus problemas".
Em entrevista à DW África, Gama diz, no entanto, que seja quem for que ganhe as eleições, os problemas demorarão tempo a resolver. Em média, a taxa de desemprego em Angola ronda os 33%, mas é bastante mais alta na faixa etária dos jovens.
Agora, "o importante é o próprio MPLA aceitar as contestações, procurar trazer soluções e governar com todos", diz o jornalista.
DW África: O que podem significar estes atos violentos tendo em conta que Angola está já em processo pré-eleitoral?
José Gama (JG): Sempre que estamos em período pré-eleitoral, o MPLA fomenta a imagem de que a UNITA [União Nacional para a Independência Total de Angola, a maior força da oposição] é um partido que faz manifestações para tomar o poder. Aliás, o próprio Presidente da República, João Lourenço, tem dito que a UNITA quer criar um clima de ingovernabilidade, e o MPLA apresenta-se como vítima dos atentados da UNITA.
Portanto, muito desses incidentes que ocorrem são fabricados pelo próprio MPLA e pelo Governo.
DW África: Essa estratégia de vitimização do MPLA poderá ser eficaz para as pessoas mais jovens?
JG: Angola tem 58% da sua juventude no desemprego. Quando esses jovens vão à rua protestar contra o Governo, o Executivo não aceita e diz que os jovens estão a ser instigados pela oposição, porque são manifestações que expõem as fragilidades das autoridades. Como as autoridades não aceitam que a população esteja contra [as suas medidas governativas], remetem estes incidentes para a oposição, concretamente para a UNITA.
Em vez de estudar a situação e arranjar soluções, o Governo tenta levar tudo para o campo político.
DW África: Neste caso, o próprio MPLA está tentar tapar o sol com a peneira perante os vários problemas que a sociedade angolana vive? É isso que está a tentar dizer?
JG: Exatamente. Não aceita a contestação da população. A forma do Governo controlar e ameaçar, para que depois das eleições ninguém saia às ruas a contestar os resultados, é começar já a reprimir e a ameaçar as pessoas, para elas terem medo.
DW África: Justifica o recurso à violência?
JG: O que acontece é que hoje as pessoas estão a identificar o MPLA como a fonte dos seus problemas, por isso é que qualquer problema que as pessoas têm, procuraram atacar, por exemplo, as caravanas do partido ou as sedes do MPLA.
No Cazenga, por exemplo, em pleno comício do MPLA, foram as próprias vendedoras de rua a apedrejar a caravana. Aconteceu também no ano passado - quando a polícia matou um rapaz de 14 anos, em vez de apresentar queixa, a população atacou a sede local do MPLA.
A população entende que o partido é que manda e é o responsável de tudo. Por isso, ataca tudo o que são símbolos do MPLA. É um fenómeno novo a acontecer em Angola e não deveria ser assim…
DW África: Perante este cenário, o que se pode projetar caso o MPLA ganhe as próximas eleições?
JG: Seja quem for o vencedor das eleições gerais, a verdade é que vamos continuar a ter os níveis de desemprego como estão. Penso que é um problema que não se resolve num curto espaço de tempo. Mas o importante é o próprio MPLA aceitar as contestações, procurar trazer soluções e governar com todos - com todas as franjas existentes em Angola, até mesmo com a oposição.