1. Ir para o conteúdo
  2. Ir para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Angola: Acusados de peculato vão ou não ser amnistiados?

9 de novembro de 2022

Em entrevista à DW, jurista angolano alerta que exceção à lei da amnistia não consta na versão atual da proposta do Governo. Mas o Parlamento ainda vai debater o documento.

https://p.dw.com/p/4JHxG
Prisão em Luanda, Angola
Cadeia da Direção Provincial de Investigação Criminal, em LuandaFoto: António Cascais

O Governo angolano aprovou, na terça-feira (08.11), uma proposta de lei de amnistia para crimes comuns ou militares com penas de prisão de até dez anos, cometidos por cidadãos nacionais ou estrangeiros entre 12 novembro de 2015 e 11 de novembro de 2022.

O documento, aprovado numa sessão extraordinária do Conselho de Ministros orientada pelo Presidente de Angola, João Lourenço, segue agora para a Assembleia Nacional para discussão e aprovação.

Esta terça-feira, após a reunião, o ministro angolano da Justiça e dos Direitos Humanos, Marcy Lopes, explicou à imprensa que, entre as exceções dos crimes a amnistiar, estão os crimes de peculato e branqueamento de capitais. No entanto, em entrevista à DW, o jurista Serrote Simão Hebo, nota que "é importante que esta exceção conste na lei", o que ainda não acontece.

Ministro Marcy Lopes
Ministro Marcy LopesFoto: Borralho Ndomba/DW

Serrote Simão Hebo explica ainda que, com a lei da amnistia, o Governo consegue "reduzir a sobrelotação das cadeias", numa altura em que as instituições angolanas também não têm capacidade para dar resposta a novos processos. Em 2017, exemplifica, existiam mais de 100 mil processos para um universo de 600 magistrados em Angola. De lá para cá, o Estado recrutou menos e o número de processos pendentes cresceu.

DW África: Em que difere a nova proposta de lei de amnistia daquela aprovada em 2015?

Serrote Simão Hebo (SSH): É óbvio que há alguma diferença, de facto. A lei anterior previa que a amnistia abrangia os crimes com penas de prisão de até 12 anos e esta faz referência aos crimes com o limite máximo de até 10 anos.

A segunda diferença consiste, por exemplo, nos crimes patrimoniais. Para esses crimes, estabelece que vai beneficiar da amnistia aqueles agentes que foram condenados com pena não superior a dez anos desde que, de facto, estejam reparadas as perdas do lesado. Uma outra diferença que considero perigosa consiste exatamente naqueles casos dos bens apreendidos no processo.

DW África: Está a falar dos bens que tenham sido apreendidos em processos-crime e que serão declarados perdidos a favor do Estado.

SSH: Se partirmos de uma interpretação subjetiva da norma, vamos perceber que o Estado quer exatamente resolver a situação dos processos.

Quando o Estado diz que aqueles bens apreendidos revertem ao Estado, penso que encontra esse mecanismo para reaver o mais cedo possível os bens que estão apreendidos em sede de determinados processos.

É perigoso porque, para o cidadão que vai beneficiar deste processo, os bens que constam no processo serão revertidos automaticamente a favor do Estado.

Não é bom, no nosso entender. Se de facto existirem bens apreendidos em sede do processo, independentemente deste ser abrangido na amnistia, devia-se litigar em sede do processo civil, por exemplo, já que é a instância especial especializada para litigar a questão da propriedade. Não devia haver uma reversão direta destes bens apreendidos a favor do Estado.

Angola Gefängnis in Luanda
Hospital Prisão São Paulo, em LuandaFoto: DW/P. Borralho

DW África: Em 2015, a lei da amnistia foi vista por alguns como uma forma do antigo Presidente José Eduardo do Santos proteger os seus. Desta vez, o Governo deixou bem claro que os crimes de peculato e branqueamento de capitais são considerados exceções e não estão contemplados. Foi já a prever este tipo de críticas?

SSH: Mas é importante que essa exceção conste na lei. Se este aspeto vier a estar na lei, obviamente que sim. Entendemos que fica salvaguardado. Mas, entretanto, lida a lei, constatou-se que não existe este particular que o ministro veio justificar. E nós já tivemos muitos exemplos em que, na prática, constata-se que o argumento apresentado [pelos governantes] é meramente político.

Na lei anterior, constava essa exceção. E nesta, que li, não constatei exatamente essa exceção - a não ser que o documento venha a ser melhorado, até porque esse documento vai ser discutido na Assembleia Nacional.

DW África: Qual é o intuito desta lei? Pretende aliviar a sobrelotação das prisões, por exemplo?

SSH: A forma que o Estado está a encontrar para reduzir a população nas cadeias é exatamente esta. Vai reduzir os números da população penitenciária. E penso que, isso sim, é uma estratégia do próprio Estado porque as nossas instituições não estão em condição de dar resposta à demanda dos processos, porque há muitos processos, muitos arguidos, muitos réus.

Mulheres da RDC lançam projeto agrícola para nutrir presos