Angola: CASA-CE não quer coligações antes das eleições
27 de janeiro de 2017A Convergência Ampla de Salvação de Angola – Coligação Eleitoral (CASA-CE) vai concorrer às eleições gerais de 2017, independentemente da decisão do Tribunal Constitucional de inviabilizar ou não a sua transformação em partido político.
A revelação é do líder da coligação, entrevistado pela DW África em Lisboa. Abel Chivukuvuku considera irrelevante uma eventual recandidatura do Presidente José Eduardo dos Santos e afirma que, desta vez, a CASA-CE será um fator determinante de mudança da vida política em Angola, onde a democracia, ainda em fase de transição, não é exercida na sua plenitude.
DW África: A CASA-CE tem tido condições para desenvolver livremente a sua campanha em Angola com vista às eleições deste ano?
Abel Chivukuvuku (AC): Obviamente que Angola ainda é um Estado em transição para a democracia. Há uma série de atributos de uma democracia efetiva que não estão presentes na vida nacional. Não pode haver democracia se não houver garantia das liberdades fundamentais da pessoa humana e, no nosso contexto, ainda há muitas liberdades que não são permitidas: liberdade de manifestação, livre opção, etc. Também temos ainda problemas do ponto de vista do equilíbrio e, em certa medida, duma administração pública apartidária. Temos ainda problemas relativos à própria legislação eleitoral que deveria ficar muito mais clarificada. Sobretudo nós, pautamo-nos pelo conceito de que o apuramento das eleições deveria ser a nível municipal e não a nível nacional, por exemplo. Temos o problema da comunicação social, onde nem todas as forças políticas têm fácil acesso; e a comunicação social pública é fortemente manipulada pelo partido no poder. Há uma série de fatores ainda negativos do próprio ambiente político nacional que nós temos a obrigação de tentar fazer com que melhore, mas vamos evoluir e participar nas eleições que pensamos que desta vez, em Angola, vão produzir a mudança.
DW África: A vossa formação é já uma coligação. De toda a forma, a CASA-CE está aberta a outras forças da oposição para enfrentar o poderio do MPLA [Movimento Popular de Libertação de Angola, no poder]?
AC: O nosso propósito é a transformação [em partido]. Portanto, não faz sentido fazermos um exercício para a transformação e simultaneamente fazermos mais coligações. Não. O que nós temos feito, neste momento, é a coordenação com todas as forças políticas da oposição no sentido de se criar condições para que as eleições em Angola possam ser o mais livres, justas e transparentes possíveis. É um esforço conjunto, mas em termos de candidatura entendemos que cada partido ou cada força política tem a sua identidade, tem a sua visão de futuro sobre Angola, tem o seu objetivo e, por isso, concorre-se independentemente, sem fechar a possibilidade de coligações pós-eleitorais em função da leitura que for feita na altura dos resultados eleitorais.
Pode haver a perceção de que o MPLA é poderoso porque controla a administração pública do Estado, usa abusivamente os recursos financeiros do Estado, manipula a comunicação social, mas essa força política que parece forte é a mesma que governa mal. A população é maioritariamente pobre. [O Governo] não tem capacidade de providenciar serviços sociais básicos de forma aceitável. Todo o cidadão tem noção dos altos níveis de corrupção e desvios do erário público. Afinal, essa força que parece forte não é tão forte como parece, porque todos esses anti-corpos que fizeram com que Angola – que deveria ser um Estado viável com uma população que pudesse ter uma qualidade de vida aceitável – hoje viva de forma miserável.
DW África: O que mudaria na estratégia da CASA-CE, caso não haja uma nova candidatura do Presidente José Eduardo dos Santos às próximas eleições?
AC: Para nós é irrelevante o Presidente dos Santos candidatar-se ou não se candidatar. Se se candidatar, de qualquer forma, está extraordinariamente desgastado e com uma imagem que o cidadão já não admite em termos de longevidade e em termos de má governação. Se ele sair, achamos normal. Foram quase 40 anos de poder. Foi excessivo, além de que levou o país ao marasmo em que se encontra. E se por acaso o Presidente voltar atrás com a sua própria palavra, será descrédito. Aconteça o que acontecer, o Presidente da República hoje é um fator negativo para o MPLA.
DW África: Quais são os focos temáticos da vossa campanha?
AC: Primeiro é fazer com que Angola tenha um novo modelo e mentalidade de governação no sentido de servir o país e o cidadão. Os governantes não devem servir-se a si próprios. No nosso entendimento, os governantes são meros gestores temporários dos recursos de todos os cidadãos, em nome dos cidadãos e para o benefício dos cidadãos. Portanto, tem que haver um novo paradigma de governação para servir o país, em que o cidadão seja o elemento fundamental. Segundo, é preciso fazer com que os recursos do país sirvam efetivamente o país. Portanto, tem que haver uma forte luta contra a corrupção, contra os desvios e contra a má gestão. Terceiro, precisamos de encontrar modelos que dinamizem a realização da pessoa humana em vez do desenvolvimento do betão e acabar com as enormes desigualdades e assimetrias sociais. Também precisaremos de fazer reformas constitucionais que levem a que encontremos um novo paradigma do modelo de Estado, um novo sistema de governo que faça com que o governante seja mais responsabilizado perante o cidadão e muito mais próximo do cidadão. Portanto, Angola terá que virar a página e, de facto, encontrar novas fórmulas para a sua realização e o seu desenvolvimento.
DW África: Acredita que as eleições gerais de 2017 serão livres, justas e transparentes?
AC: Temos todos que trabalhar para que elas sejam livres, justas e transparentes. E que o resultado reflita verdadeiramente a vontade do cidadão eleitor. Não sou só eu que estou a dizê-lo. O próprio Presidente da República também o disse. Como ator privilegiado que ele é, neste momento, tem a obrigação de fazer que o que diz seja verdadeiro, não seja apenas para inglês ouvir. É verdade que nós também estamos a mobilizar as vontades internacionais no sentido de ajudarem Angola. Nós próprios, angolanos, temos que fazer o esforço, temos que nos dedicar para que as eleições sejam verdadeiramente livres, justas e transparentes, sabendo que não há essa vocação por parte do partido no poder, mas também temos que mobilizar todos os setores internacionais para contribuírem no sentido de termos esse quadro de eleições em Angola.
Chivukuvuku critica Tribunal Constitucional
Reagindo ao acórdão que indeferiu o pedido de transformação da CASA-CE em partido político, Chivukuvuku faz críticas ao Tribunal Constitucional, afirmando que este órgão tomou uma decisão política e não fez jurisprudência.
Em outubro de 2016, o Departamento dos Partidos Políticos do referido órgão já tinha dado um parecer favorável, tal também veio a acontecer com o plenário dos juízes. Recentemente, três cartas que deram entrada no Tribunal Constitucional, cujo conteúdo Abel Chivukuvuku diz desconhecer, alegam ser contrárias à transformação da CASA-CE em partido político. Esta terá sido a base para a reabertura do processo e que conduziu à negação por parte do Tribunal.
O líder da CASA-CE esclarece que em nenhum momento o Tribunal contactou o requerente para suprir supostas falhas. "Achamos que o procedimento do Tribunal Constitucional não foi correto", disse quando questionado pela DW África sobre as razões que estão na base da referida decisão.