Angola: Doações de "marimbondos" não extinguem crimes
3 de abril de 2020Cumpre-se esta sexta-feira (03.04) uma semana desde a declaração de estado de emergência em Angola, que vigora desde 27 de março. Além dos apelos para que os angolanos fiquem em casa, multiplicam-se também os pedidos para os cidadãos aderirem campanha de solidariedade "Juntos por Angola", que visa ajudar as pessoas mais carenciadas.
Na quinta-feira (02.04), o procurador-geral da República apelou ao "espírito humanitário" dos cidadãos que ainda não devolveram ativos ilícitos no estrangeiro. Em entrevista à Rádio Nacional de Angola, Hélder Pitta Grós, disse que "as pessoas que não fizeram o repatriamento de capitais têm agora uma soberba oportunidade" de apoiar na luta contra o novo coronavírus.
As reações não se fizeram esperar. Aos juristas angolanos, a DW África perguntou sobre se uma eventual doação extinguirá a responsabilidade criminal dos implicados ou se os valores tornar-se-ão lícitos.
"O que pode haver é, no mínimo, a extinção de alguma responsabilidade civil no caso dessa mesma devolução vier a ser efetuada, se a PGR e os presumíveis criminosos assim o acertarem", começa por responder o jurista Agostinho Canando.
Isabel dos Santos e cia
No âmbito da responsabilidade civil, a empresária angolana Isabel dos Santos viu as suas contas e participações sociais em empresas como a UNITEL congeladas.
A "cruzada contra corrupção" é o cavalo de batalha do Presidente João Lourenço, que começou com os apelos ao repatriamento voluntário de capitais. Mas nem todos o fizeram.
Atualmente está em curso o julgamento de José Filomeno dos Santos "Zenu", ex-presidente do Fundo Soberano e filho do antigo Presidente José Eduardo dos Santos e de Walter Filipe, ex-governador do Banco Nacional de Angola (BNA). São acusados de transferir ilicitamente 500 milhões de dólares para o exterior.
Também poderão ser julgados Higino Carneiro, ex-ministro das Obras Públicas e governador de Luanda, bem como Manuel Rebelais, antigo responsável do GRECIMA por gestão danosa. Os processos já se encontram no Supremo angolano.
Haverá atenuantes?
E se alguma destas figuras doar parte dos seus ativos financeiros? "No âmbito criminal deverão ser mesmo responsabilizados independentemente do seu bom senso", responde o jurista Agostinho Canado.
"O nosso sistema jurídico é muito diferente, por exemplo, do sistema jurídico dos Estados Unidos da América, onde aquele individuo que paga todos os impostos, nunca tem uma dívida para com o Estado. O indivíduo que tem uma boa relação com o Estado sofre algumas isenções, tem alguns privilégios. Aqui em Angola não", explica.
Já na opinião de Manuel Pinheiro, outro jurista angolano, uma eventual doação ao Estado para a luta contra o novo coronavírus poderá ter efeitos jurídicos. Por exemplo, a aplicação por parte do tribunal de uma circunstância atenuante.
"Terá grande repercussão no momento processual oportuno da aplicação da pena. Se eventualmente houver casos de responsabilização criminal nesse sentido, eles serão objeto da atenuação extraordinária da pena por terem contribuído ao combate contra o coronavírus no momento em que o país de facto se encontra numa calamidade", argumenta.