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Angola enfrenta "grave crise de confiança" na Justiça

Neusa e Silva
4 de março de 2023

Há uma "grave crise de confiança" na Justiça angolana e é preciso aprender com os erros. Porém, João Lourenço excedeu-se ao pressionar para o afastamento da presidente do Tribunal de Contas, dizem analistas à DW.

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Foto: DW/N. Sul de Angola

Na última segunda-feira (27.02), o Presidente João Lourenço divulgou uma nota em que dizia que a juíza Exalgina Gâmboa "deixou de ter condições" para exercer o cargo de presidente do Tribunal de Contas de Angola, convidando-a a renunciar. Pouco depois, a magistrada pediu a "jubilação antecipada", citando "razões de saúde". A Procuradoria-Geral da República (PGR) anunciou, então, que ela foi constituída arguida por suspeita de extorsão, peculato e corrupção.

Em declarações à DW, a jurista Margareth Nanga diz que tanto a PGR como o Presidente da República tinham de tomar uma atitude face às denúncias citando o nome da juíza, que circulavam na imprensa e nas redes sociais. Mas o Presidente João Lourenço terá pisado o risco, segundo Margareth Nanga.

"Para nossa surpresa, foi o Presidente quem se adiantou e, na minha perspetiva, adiantou-se excedendo os seus poderes. O Presidente [da República] não pode forçar a demissão da presidente do Tribunal de Contas, nem cabe ao Presidente do Tribunal de contas apresentar a sua demissão ao Presidente da República porque são poderes autónomos", explica a jurista.

Angola enfrenta "grave crise de confiança" na Justiça

Juíza pode ser processada

Questionada se Exalgina Gambôa, enquanto presidente do Tribunal de Contas, teria ou não imunidades para ser constituída arguida, a jurista esclarece que a Constituição angolana estabelece que os juízes não são responsáveis pelas decisões que tomam no exercício das suas funções e por isso não podem ser presos por causa disso.

No entanto, acrescenta: "O artigo 179 também diz que os juízes não podem ser presos antes de culpa formada quando a infração é punível com pena de prisão superior a dois anos, exceto se no caso o juiz for apanhado em flagrante delito. O que significa que, sim, os juízes podem ser processados, podem ser constituídos arguidos, só não podem ser presos enquanto a culpa não tiver sido, digamos assim, provada".

Mecanismos de controlo

As denúncias sobre a alegada má gestão de Exalgina Gambôa no Tribunal de Contas arrastavam-se há meses. As autoridades não deveriam ter agido mais cedo? E quem fiscaliza o Tribunal de Contas?

A jurista Margareth Nanga lembra que, nos Estados modernos, há vários organismos ou entidades independentes e autónomas que devem exercer essa função. Por um lado, o Tribunal de Contas deveria ter mecanismos de controlo, refere Margareth Nanga.

"O Tribunal de Contas deve ter mecanismos de controlo, se funcionam ou não, ou se funcionam mal ou bem, não sabemos. Depois temos o nível de controlo externo: estão os cidadãos, os jornalistas, que foram os que trouxeram à luz estes escândalos; e temos um controlo institucional, que é, por exemplo, a própria Procuradoria-Geral da República, que tem um papel relevante; e a Assembleia Nacional, que deve ser o órgão que aprova, por exemplo, os orçamentos de todos os órgãos, e também deve ter uma palavra importante", explica a jurista.

Margareth Nanga Angolanische Juristin und Universitätsdozentin
Margareth Nanga: "Os juízes podem ser processados, podem ser constituídos arguidos"Foto: Privat

Depois das denúncias divulgadas na imprensa, a PGR disse ter aberto um inquérito, de que resultou num processo-crime contra Exalgina Gambôa. O filho da magistrada foi indicado no mesmo processo. É um escândalo que mancha a imagem da Justiça angolana, refere Margareth Nanga.

Credibilidade dos relatórios de contas públicas

"Diante da luta contra a corrupção, ter a presidente do Tribunal de Contas a enfrentar escândalos dessa natureza, isso abre uma crise muito grave de confiança até entre os próprios cidadãos, não só sobre o sistema judicial, mas também sobre todo um processo de combate à corrupção", avalia.

O presidente do Tribunal Supremo, Joel Bernardo, também foi citado em escândalos de corrupção. No entanto, o economista Fernandes Wanda adverte que é perigoso fazer generalizações.

"Para além de manchar a própria instituição, também mancha o próprio poder judiciário, porque o Tribunal de Contas é um tribunal superior ao lado do Tribunal Constitucional e do Tribunal Supremo, e não deixa de ser preocupante. Mas é importante termos em contas que a presidente do Tribunal de Contas não trabalha sozinha, tem vários juízes conselheiros e estes também têm um pelouro que olham para vários dossiês, então não podemos descredibilizar totalmente a instituição, mas claro, isso põe em causa alguns dos pareceres", conclui.

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