Há falhas na aplicação das leis para migrantes e refugiados
19 de dezembro de 2019Um relatório piloto foi produzido no âmbito do projeto "Documento para Todos”, financiado pela União Europeia (UE) e que visa ações de advocacia pelos direitos dos migrantes e lançado no Internacional dos Migrantes, que se celebrou esta quarta-feira (18.12).
Se por um lado a legislação avançou, a sua aplicação ainda se mostra um desafio que se reflete, sobretudo, nas detenções e excessos da polícia, aponta o documento.
O acesso à documentação e à educação é outro problema relatado pelos migrantes em Luanda e na Lunda Norte.
A DW África entrevistou João Malavindele, diretor-executivo da ONG angolana OMUNGA, sobre a situação dos migrantes e refugiados em Angola:
DW África: O que a OMUNGA constatou em relação aos migrantes em Angola?
João Malavindele (JM): Ao longo do ano, fomos monitorando as políticas públicas relativas à situação dos migrantes e, nesse processo de monitoramento ao nível do país, fomos constatando algumas situações que deixam muito a desejar. Por exemplo, é bem verdade que, a nível daquilo que é a legislação – ou seja, os pacotes legislativos – podemos considerar que existe uma melhoria a nível deste quesito. Só que, não basta que haja essa melhoria. Por exemplo, o novo Regime Jurídico dos Cidadãos Estrangeiros em Angola, hoje, descriminaliza a questão da imigração. Ou seja, a questão da imigração em Angola, hoje, já não é crime. Para que isso se efetive na realidade - para que o cidadão e o migrante possam sentir isso - é preciso que haja políticas concretas no que concerne à própria aplicação. Aqui, notamos também durante o ano, a falta de sensibilidade daquelas instituições que têm a responsabilidade de velar pelo cumprimento daquilo que está estabelecido na lei.
DW África: Observou-se então a não aplicação da legislação vigente?
JM: Fomos registando, durante o ano, as questões das detenções. Ainda vimos muito essa questão de prender para investigar, muitos migrantes serem interpelados pela polícia por muitos deles estarem nessa condição de irregular e a polícia age, muitas vezes, com excesso, notamos. Sobretudo na fase da Operação Resgate e Transparência, notou-se muitos excessos no tratamento dessas pessoas.
DW África: O acesso à educação ainda é um desafio enfrentado pelos migrantes em Angola?
JM: A falta de documentos tem sido o grande problema para que para os mesmos possam aceder a esses direitos. Registamos, por exemplo, que muitas crianças dos migrantes estão fora do sistema de ensino. Sabemos também que, muitos dos migrantes aqui em Angola, na sua maioria africanos, estão aqui por questões económicas. Ou seja, veem Angola como um país em que possam desenvolver-se economicamente e, se calhar, encontrar aqui algumas oportunidades.
DW África: Ainda existem outros aspetos importantes que se verificaram?
JM: A questão da documentação é extremamente importante porque, sem documentos, abrem-se sempre barreiras para aceder a outros direitos.
DW África: Como foi produzido o relatório?
JM: Constam apenas as constatações que fomos fazendo ao nível da província de Luanda e algumas visitas que fomos fazendo ao nível da Lunda Norte. A par disso, elaboramos um questionário. Cerca de dez educadores foram à rua e entrevistaram cerca de cem migrantes. Destacam-se algumas questões que têm a ver muito com questões sociais e económicas que os migrantes passam aqui em Angola. Na Lunda Norte, [as conclusões são] parte das constatações, dos encontros que fomos tendo e das visitas que fomos fazendo no centro do Lóvua, outras zonas fronteiriças ao nível da Lunda Norte e o contato com algumas instituições.
DW África: Foram detetadas diferenças na situação dos migrantes em Luanda e nas províncias?
JM: É mais fácil viver na condição de migrante ou refugiado ao nível da Lunda Norte ou noutra província fronteiriça que na capital.
DW África: Porque?
JM: Porque fora da capital há mais disponibilidade, mais abertura e mais sensibilidade no tratamento a dar aos migrantes e refugiados. Visitamos o centro de detenção da Lunda Norte e não encontramos quase nenhum migrante detido, ou seja, os migrantes detidos não ficam mais de 48 horas, de acordo com a lei, no centro. Em Luanda, é o contrário, temos migrantes detidos que ficam mais de um mês ou até três meses detidos para a confirmação do documento que na altura lhe foi conferido, que é para confirmar se este documento é válido ou não. Ficam ali quase 90 dias, [o que] viola a Lei das Medidas Cautelares que existe em Angola e que, em princípio, é aplicável a todos.
DW África: O que se pretende alcançar com este relatório?
JM: A ratificação, por parte do Estado angolano, da Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias. Isso daria, se calhar, mais dignidade aos migrantes em Angola. Diferente dos refugiados que existe uma convenção e temos um estatuto, os migrantes não têm isso.
DW África: Este relatório será encaminhado para alguma instituição?
JM: Vamos encaminhar este relatório quer ao nível das autoridades angolanas, como também ao nível internacional – à Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos e quiçá às Nações Unidas.