"Isabel dos Santos está na luta pela sobrevivência política"
18 de setembro de 2020Isabel dos Santos diz que "irritou muita gente" quando quis cancelar contratos na Sonangol. É uma das revelações que a empresária - arguida por alegada má gestão e desvio de fundos na petrolífera - fez esta sexta-feira (18.09) em entrevista à rádio angolana MFM sobre os tempos em que liderou a empresa, entre 2016 e 2017.
Na entrevista, a filha do antigo Presidente de Angola José Eduardo dos Santos denuncia casos de sobrefaturação de contratos e diz que não se surpreende com a descoberta de contas com muito dinheiro de pessoas ligadas à petrolífera - como é o caso do genro de Agostinho Neto, Carlos São Vicente, proprietário da seguradora AAA.
A DW África falou com o jurista Rui Verde para perceber o motivo que terá levado Isabel dos Santos a fazer estas revelações.
DW África: Como vê a divulgação destes dados nesta altura?
Rui Verde (RV): A Isabel dos Santos está numa luta pela sobrevivência política e jurídica. Portanto, vejo estas supostas revelações nesse contexto, da luta que ela está a encetar contra o Presidente João Lourenço. É uma questão de contra-ataque político. Toda a gente sabe que a Sonangol foi o centro do financiamento de toda a corrupção. Já existia em 2016 quando ela lá esteve e a obrigação dela como funcionária pública era denunciar imediatamente à Procuradoria-Geral da República (PGR) todas essas irregularidades.
DW África: Tendo essas provas, por que motivo é que Isabel dos Santos só agora vem fazer essas revelações?
RV: A resposta tem duas partes. O só agora é porque ela está numa luta política. O que estamos a assistir é a uma luta entre duas fações do MPLA. A fação reformista liderada por João Lourenço e a fação conservadora liderada por Isabel dos Santos. Em termos do que ela deveria ter feito, mais do que dever, Isabel dos Santos tinha o imperativo legal de qualquer agente público: quando se depara com uma situação que considera criminal, tem a obrigação legal de denunciar. Portanto, ela não cumpriu os seus deveres legais ao não denunciar à PGR essas questões na altura.
DW África: Isabel dos Santos terá interesse em usar estas informações para dar início a processos contra estas pessoas?
RV: Obviamente que tem, para não ficar sozinha. Não sabemos a fonte, mas do ponto de vista estritamente político, estas denúncias sobre a AAA acabam por beneficiá-la, porque ela diz que não é só a família do Presidente José Eduardo dos Santos que está supostamente envolvida em assuntos de corrupção e que a família do antigo Presidente Neto também está. A posição dela acaba por ser mais gregária. O objetivo é esse: criar uma frente comum contra a chamada luta contra a corrupção. As pessoas ficam com medo, juntam-se a ela e viram-se contra o Presidente [João Lourenço]. A estratégia é bastante clara.
DW África: Estes dados que a empresária agora apresenta junto da Justiça poderão justificar ou atenuar algumas das ações pelas quais ela está na mira das autoridades?
RV: Não, tem um efeito diferente. Obriga a Justiça – e a Justiça não pode fugir disso – a levantar um processo-crime por cada uma das denúncias que ela faz. Tanto quanto se percebeu, a Justiça já tinha conhecimento das atividades do genro do Presidente Neto e não tinha feito nada. A denúncia pública desse assunto obrigou a PGR a instaurar um processo contra o Carlos São Vicente. Ela pode tentar fazer uma espécie de acordo com a Justiça, o que é chamado no Brasil de delação premiada. Denuncia-se A, B e C e em troca não é aplicada pena [ao denunciante]. Não há lei em Angola que permita isso, mas pode ser esse o objetivo.
DW África: Esta estratégia política de Isabel dos Santos poderá dar frutos?
RV: Sim, já está a dar frutos. Enquanto na imprensa internacional, ela é essencialmente mal vista, em Angola está a conseguir uma série de aliados no sentido de não continuar a luta contra a corrupção. Portanto, poderá dar frutos e teria de haver um embate entre o Presidente João Lourenço e Isabel dos Santos. A questão está mascarada como sendo uma questão legal, mas é essencialmente uma questão política entre reformadores e conservadores.