Buraco no Fundo Soberano de Angola
28 de setembro de 2016O Fundo Soberano de Angola (FSDEA), liderado por José Filomeno dos Santos, filho do presidente José Eduardo dos Santos, perdeu, em dois anos, 486 milhões de dólares norte-americanos (USD). A informação avançada pelo semanário angolano Expansão consta do relatório do próprio fundo, datado de 31 de Março deste ano. Mas só agora a notícia veio a público.
Aquando da sua criação, o FSDEA recebeu uma dotação inicial de USD cinco mil milhões, ao que se acrescentaram USD 46 milhões para despesas da organização e instalação, perfazendo um total de USD 5.046 milhões. Mas atualmente, o valor total dos ativos colocados à disposição pelo Governo ao fundo é de USD 4,56 mil milhões.
José Filomeno dos Santos ocupou a presidência do fundo em 2013 em substituição de Armando Manuel. Desde então têm vindo a aumentar as suspeitas de corrupção, alimentadas pela falta de transparência dos contratos. Estes beneficiam muitas empresas com relação direta com o presidente do Fundo. É o caso do grupo Quantum Global, acionista do Banco Kwanza Invest, fundado pelo próprio Filomeno dos Santos.
Transferências opacas e suspeitas
A Quantum Global é detentora de pouco mais de uma dezena de empresas que prestam serviços ao Fundo Soberano e que são presididas por Jean-Claude Bastos de Morais, um cidadão de nacionalidade suíça, considerado o testa-de-ferro de José Filomeno dos Santos.
No seu site, o Fundo Soberano diz que está empenhado em funcionar de forma transparente, responsável e em total conformidade com as leis e os regulamentos de Angola e dos países onde venha a fazer futuros investimentos. Mas muitos analistas dizem que a prática tem sido o oposto. No ano passado, uma investigação do jornalista angolano Rafael Marques dava conta de uma transferência de 100 milhões de dólares a uma empresa fantasma denominada Kijinga S.A. Agora constata-se um buraco de 486 milhões de dólares nas contas do fundo.
Em entrevista à DW África Rui Mangovo, diretor do Projeto Orçamento Participativo Angola e especialista em "democracia e governação” na Universidade de Coimbra, diz que o desaparecimento destes valores põe em causa o futuro de gerações vindouras: "É um Fundo que foi criado para dar alguma garantia futura ao país. Se esses valores desaparecem há que responsabilizar as pessoas que realmente estão à frente da gestão deste Fundo”. O analista acrescenta que "a perda de 486 milhões de dólares dos cofres” são muito preocupantes especialmente num país como Angola: "Nós temos problemas com a educação, saúde, temos uma situação de pobreza extrema em muitas localidades do país”, lembra.
O cinismo do Presidente
O consultor do Centro de Integridade Pública, Coque Mukuta considera que o que se está a passar é motivo para alarme: "Na verdade é gravíssimo o facto do Fundo Soberano não gozar de boa saúde, não gozar de boa segurança e garantias. É importante que o Fundo Soberano – o nosso fundo – mantenha a transparência e o ponto de equilibro na sua comunicação com os cidadãos. Porque senão vai parecer que os filhos do Presidente José Eduardo dos Santos podem, fazem e desfazem".
Apesar da gravidade, o também jornalista Mukuta, não acredita que haja consequências: "O Presidente é bastante cínico e não vai ligar ao que sai na imprensa sobre isso. Não creio que o desaparecimento deste dinheiro possa causar alguma pressão ao Presidente da República no sentido de exigir maior transparência ao seu filho".