Plataforma 27 de Maio quer criação de Comissão da Verdade
8 de junho de 2021A Plataforma 27 de Maio propõe a criação de uma Comissão da Verdade com a incumbência de investigar de forma isenta e eficiente crimes ocorridos a partir do 27 de maio de 1977, em Angola. Para isso, a coalizão de organizações da sociedade civil sugere a reconversão da Comissão para a Implementação do Plano de Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos (CIVICOP), que funcionava sob a tutela do Governo de Luanda.
Em 27 de maio de 1977, uma alegada tentativa de golpe de Estado, numa operação aparentemente liderada pelo ex-ministro do Interior, Nito Alves, foi violentamente reprimida pelo regime de Agostinho Neto. Os apoiantes Alves, os chamados "fraccionistas", foram perseguidos. Dezenas de milhares foram torturados, mandados para campos de concentração e fuzilados sem julgamento.
A proposta surge na sequência do pedido de perdão e desculpas do Presidente João Lourenço pelas trágicas violações de direitos humanos ocorridos à época.
Numa declaração tornada pública este fim de semana, a organização que integra três associações aplaude o gesto de João Lourenço, que anunciou a decisão de localizar os corpos mortais e tudo fazer para que o maior número de famílias possa realizar o funeral dos seus entes queridos. "Estão criadas, agora, as condições para que o processo de reconciliação tenha sucesso e obtenha resultados sólidos", reagiu a organização.
Reconciliação nacional
O historiador e sociólogo angolano, Manuel Dias dos Santos, concorda com a proposta de criação de uma Comissão da Verdade, à semelhança do ocorrido em outros países, em nome da reconciliação nacional.
Dias dos Santos crê que desta foram poder-se-á então tratar de todos os processos suspensos de violência ocorridos no país. "Não há dúvida de que tudo isto ficará mais fácil se o processo for aberto, transparente e não buscar manipulação nem dividendos políticos por via eleitoralista, que é a grande razão de haver hesitações e reservas no meio de tudo isso", explica.
A coalizão de organizações pede ainda a promulgação de um diploma que permita a abertura dos arquivos do Estado e a cooperação dos algozes, que sabem onde estão as valas comuns para a localização das vítimas. A contribuição das famílias também possibilitaria a realização de testes de ADN com o apoio de laboratórios e peritos internacionais credíveis.
Os ativistas querem o apuramento da autoria dos crimes, de modo que não somente o Estado seja responsabilizado, mas também os indivíduos envolvidos. Espera-se que os algozes identificados peçam perdão pelos crimes, o que seria um gesto histórico.
Inclusão das organizações
Dias dos Santos pensa que todos querem ver "a verdade histórica dos factos refletida neste processo" e que "não se procure aglutiná-lo" a todos os outros relativos à violência das guerras em Angola.
"É buscar, acima de tudo, uma reconstituição em que o nível de responsabilidade seja atribuída a todos os seus atores aos diversos níveis. Que não seja simplesmente como uma emanação de responsabilidade do Estado, que é feita pelo Governo de forma bastante ambígua e deixa muitas pontas soltas", apela.
O também sociólogo angolano considera que a participação em todo este processo das associações que assinaram o manifesto é igualmente importante, tendo em conta que nem sempre o Governo angolano, gestor do aparelho do Estado, tem se portado adequadamente. Por esta razão é que tem havido reservas por parte das organizações que representam os interesses dos familiares e das vítimas.
A declaração da Plataforma diz ainda que as vítimas e familiares têm toda a legitimidade em reclamar a devolução dos bens que lhes foram usurpados bem como reclamar compensações ao Estado perante a assunção de culpa.
O manifesto da Plataforma 27 de Maio quer, por outro lado, a extensão do prazo de atuação à volta de todo este processo, para que seja possível resolver as pendências que ajudariam a sarar as feridas deixadas pelos acontecimentos do 27 de maio de 1977.