Angola: Repressão de protestos mancha Dia da Independência
Publicado 11 de novembro de 2020última atualização 11 de novembro de 2020O feriado do Dia da Independência de Angola ficou marcado por confrontos entre a polícia e pessoas que saíram às ruas de Luanda para exigir melhores condições de vida e a marcação das primeiras eleições autárquicas no país.
Enquanto gritavam palavras de ordem como "a polícia é do povo, não é do MPLA" ou cantavam o hino nacional, os jovens foram alvo de cargas policiais, com recurso a balas de borracha, canhões de água e gás lacrimogéneo.
Segundo os manifestantes, pelo menos uma pessoa morreu e várias ficaram feridas nos protestos. Entre os feridos estão os ativistas Nito Alves e Laurinda Gouveia, integrantes do conhecido grupo de revolucionários 15+2. Várias pessoas foram detidas.
"O ambiente que se registou hoje foi de terror", resume à DW África o porta-voz dos manifestantes, Dito Dali. "O país voltou ao estado policial, ao estado de terror, onde as autoridades não respeitam a Constituição e as leis. Mais uma vez, o Presidente João Lourenço mostrou a sua veia arrogante, o seu nervosismo, e isso é mau para o país que nós queremos erguer, democrático e de direito."
A polícia ainda não se pronunciou sobre o número de pessoas feridas ou detidas na manifestação desta quarta-feira. Numa curta declaração, denunciou apenas ações de vandalismo e desordem numa altura em que estão proibidos ajuntamentos de mais de cinco pessoas na via pública, devido à pandemia da Covid-19.
João Lourenço estava em inauguração
Em Luanda, ainda antes da 11 horas locais, hora prevista para o início da marcha, já havia barreiras policiais instaladas junto ao cemitério de Santa Ana, de onde deveriam sair os jovens rumo ao centro da cidade. Face à repressão policial, os manifestantes acabaram por fugir para bairros adjacentes, o que deu origem a uma perseguição policial.
Enquanto isso, durante a manhã dos protestos, João Lourenço presidiu à inauguração do Hotel Continental Luanda Miramar, uma infraestrutura que foi recentemente recuperada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e foi construída com recursos da petrolífera estatal Sonangol.
Aos jornalistas, João Lourenço disse que a unidade hoteleira "será um sucesso" e trará "ganhos para o investimento privado, o turismo e o bom nome do país".
O ativista Dito Dali duvida, no entanto, que Angola consiga manter essa boa imagem ao reprimir protestos, como fez esta quarta-feira – não só em Luanda como também noutras localidades, incluindo em Ndalatando, na província do Kwanza Norte.
Dito Dali insiste que, no dia em que o país comemora 45 anos de independência, a administração de João Lourenço mostrou a sua verdadeira cara: "Não é esse o país que merecemos, onde pensar diferente custa a vida, onde a pessoa é perseguida, presa, morta. É uma intolerância que nós não queremos."
Luaty Beirão detido em direto
Durante os protestos em Luanda, o correspondente da agência noticiosa Reuters em Angola, Lee Bogotá, também foi agredido por polícias e viu o seu material de trabalho destruído. Outro jornalista, Fernando Guelengue, denunciou que o seu material de trabalho foi apreendido pelas forças de segurança em pleno exercício das suas funções.
"Comecei a fazer um "live" e deparo-me com o [ativista] Luaty Beirão a ser detido", contou Guelengue. "Estava a fazer o relato e, nesse instante, ao meu lado estava um polícia – havia muitos polícias, fardados e à paisana – e ficaram com o meu telemóvel. Disseram-nos que não podíamos filmar."
Luaty Beirão foi detido pelas 13 horas locais, também quando fazia um direto para o Facebook, mostrando a sua caminhada para uma das manifestações em Luanda. Nos segundos finais do vídeo, ouve-se a voz do ativista luso-angolano a dizer que um polícia lhe estava a tirar a câmara.
Durante a caminhada, Luaty Beirão interage com uma transeunte que lhe recomenda que não se manifeste. "Não faça isso? Ó senhora, deixe as pessoas reclamarem, queremos que os filhos cresçam num país melhor. Neste país a culpa é da vítima, sempre", respondeu o ativista.
Manifestantes não desistem
Esta quarta-feira à tarde, Pedro Neto, diretor-executivo da Amnistia Internacional em Portugal, condenou a repressão policial e pediu a responsabilização das autoridades angolanas.
"Este contexto da Covid-19 não pode ser usado como desculpa para reprimir a sociedade civil naquilo que são as suas reivindicações legítimas e se o fazem dentro dos limites da liberdade de expressão e manifestação, de forma pacífica. Lamentamos a violência que tem existido na repressão que está a ser feita", afirmou Pedro Neto em entrevista à DW África.
O porta-voz dos manifestantes, Dito Dali, lembra o Executivo de João Lourenço que não é "reprimindo e matando pessoas" que os cidadãos baixarão os braços e deixarão de protestar.
"Pelo contrário, está a aumentar cada vez mais o nível de descontentamento e de participação", diz Dito Dali.
Um dos objetivos dos manifestantes já terá sido conquistado, refere. O Governo "mordeu a isca" dos jovens, que deixaram a "máquina do Estado desesperada" por causa de uma "simples manifestação".
Artigo atualizado às 21:02 (CET) de 11 de novembro de 2020.