Angola: "Guerra" entre animais e humanos devido à seca
20 de dezembro de 2022Em maio de 2018 foi lançada pelo antigo Secretário de Estado das Águas, Luís Filipe da Silva, a primeira pedra para a construção de 50 sistemas de captação, tratamento e distribuição de água potável.
Com o custo avaliado em 74 milhões de dólares (cerca de 69 milhões de euros), a obra tinha a previsão de duração de dois anos até 2020. Os sistemas, previstos para funcionar com painéis solares, enquadravam-se no programa do Executivo angolano "Água para todos".
O projeto contemplava a construção de vários sistemas de abastecimento de água potável em vários municípios, nomeadamente: nove no município do Cuíto Cuanavale; sete em Mavinga; seis em Menongue e igual número no Dirico e no Calai; quatro no município de Nancova e o mesmo número no Rivungo, Cuchi e Cuangar.
Na altura do lançamento, foi estabelecido que, até 2022, cerca de 80% da população que vive no meio rural, em todo o território nacional, teria acesso a água potável.
Governo não cumpre promessas
Este é mais um dos vários projetos lançados pelo Governo e que possivelmente continuará no papel. "No tempo seco é muito difícil. No tempo chuvoso é facilitado, mas também é neste tempo chuvoso que estamos em perigo e somos ameaçados pelo ataque de jacarés. Por isso, torneiras é o que mais precisamos", afirmou à DW Feliciano Kuango.
Feliciano tem 20 anos e é residente na comuna do Missombo. Estre jovem conta que a situação da falta de torneiras obrigou-os a recorrerem aos rios para tomar banho, e lavar roupa e louça, apesar da seca severa.
Para o ancião Simão Faustino, da comuna do Missombo, a 18 quilómetros de Menongue, a obtenção do líquido precioso, apesar dos esforços da administração comunal, é deficitária e intercalada. Com um único chafariz, atualmente avariado, a situação torna-se ainda mais preocupante.
"O povo está a sofrer mesmo. É muito sofrimento. Muito cedo, adultos e crianças carregam baldes ou bacias à cabeça, percorrendo uma distância de 5 km para tirar água do rio, subindo estas montanhas. É prejudicial à saúde", contou.
Simão Faustino é um dos mais antigos moradores da comuna e confirma vários ataques de jacarés no rio. Faustino apela ao Executivo para que cumpra as promessas sob pena de muito mais cidadãos perderem a vida. "Foi ainda este ano que uma criança (dos 13 aos 15 anos) foi atacada por jacarés e felizmente saiu com vida, mas tiveram de lhe tirar o braço por estar danificado. É um conflito entre o homem e o animal", disse.
Evitar conflitos com os animais
Segundo Faustino, para evitar mais mortes, o Governo deve ajudar com a colocação de torneiras e reparação do chafariz, para que os cidadãos não se desloquem ao rio.
O ativista Batalhador Avô Sofredor diz não entender as razões que levam projetos de distribuição de água potável nas comunidades fracassarem, uma vez que existem recursos hídricos em toda a província.
"Uma cidade com dois rios que se cruzam no meio, dividindo as margens da cidade, apenas 4 bairros são beneficiados com água potável ao domicílios. E os restantes bairros? Já não se fala dos projetos", crítica.
Questionado sobre os casos de afogamentos nos rios e os conflitos homem-animal, o porta-voz dos Serviços de Proteção Civil e Bombeiros no Cuando Cubango, Augusto Cutarica, diz que os números são preocupantes e alerta os cidadãos para não negligenciarem as medidas de segurança.
Deixar menores em casa
De janeiro à data presente, em toda a província, relativamente aos casos de afogamento nos rios, lagoas, reservatórios e cacimbas, tivemos um registo de 55 casos dos quais 50 deram em óbito e cinco foram salvos pelos bombeiros. Dos 50 casos mortais, 25 foram crianças, tendo Menongue, a capital da província, liderado a lista.
Segundo o porta-voz, Augusto Cutarica, no conflito homem-animal, nos últimos 11 meses, registaram-se 35 ataques, dos quais 25 foram ataques de jacarés nos rios da província. Também se registaram 17 mortos e 8 feridos, com idades compreendidas entre os 6 meses e os 58 anos de idade.
"Nós apelamos às populações para não irem aos rios acompanhados de menores. Aconselhamos as pessoas a tomarem banho nas suas residências. Aconselhamos a levarem uma banheira ao rio, tirarem a água na beira e irem para um cantinho tomarem o seu banho", afirmou o responsável, que fez ainda mais apelos aos residentes.
"Para os casos de ataques de animais, [aconselhamos] a não irem para locais isolados, nem locais cuja água apresenta caraterísticas muito escuras e muito paradas sob pena de ali haver um animal, e ficarem atentos às placas de sinalização".
A DW contactou o Departamento Provincial de Energia e Água, para perceber o andamento dos projetos de distribuição de água potável nestas localidades, mas sem sucesso até ao momento desta reportagem.