Angola: UNITA quer dívida renegociada e autárquicas em 2020
1 de dezembro de 2019O líder da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) considera que as consequências da dívida na limitação das capacidades de realização e diversificação da economia angolana tornam "incontornável" uma auditoria. "Verificando-se que [a dívida] não é real, oferece oportunidades de ser renegociada" e iria dar indicadores muito objetivos sobre o peso da divida externa e interna.
"A divida interna ia ser seguramente muito menor e traria condições de renegociação e a divida externa a mesma coisa. Isto permitir retirar ao governo angolano um peso extraordinário e potenciar a sua capacidade de investir", advogou o dirigente do "Galo Negro", principal partido da oposição angolana, acusando o executivo liderado por João Lourenço de "não ter coragem" nem vontade política para avançar com este tipo de ações de transparência por ter consciência das suas responsabilidades.
Numa entrevista à agência Lusa, o presidente da UNITA salientou que o partido pediu uma comissão parlamentar de inquérito a partir da altura em que o peso da dívida no Orçamento Geral do Estado se aproximou de 50% da despesa, sem que existam garantias de que os valores são verdadeiros verdadeiro. "Temos muitos indicadores de que aquela conta é falsa", contrapôs, responsabilizando governantes e empresários que criaram a dívida com a conivência de instituições angolanas num "assalto ao erário público" consentido, a partir do qual se geraram as fortunas e os milionários que Angola tem.
"Muitas das obras pagas não existem ou foram inflacionadas, uma lógica que fez com o que pais perdesse mais de 700 mil milhões de dólares", notou. "Temos de fazer pressão, temos de fazer uma denúncia fortíssima e apelar a que os cidadãos escolham a alternância e optem por dirigentes responsáveis", exortou o líder do partido fundado por Jonas Savimbi, defendendo que "a pressão pode mudar os comportamentos tidos até aqui".
Surpreendido com declarações de João Lourenço
No seu discurso de abertura da II sessão ordinária do Comité Central do Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA), sexta-feira (29.11), João Lourenço rejeitou que a onda de criminalidade vivida em Luanda nos últimos dias tenha relação com a deterioração da situação social e ao desemprego, considerando que esta forma "simplista" de abordagem pode legitimar o recurso à violência.
"Fiquei surpreendido. Nada de mais errado poderia existir do que esse tipo de tentativa de minorar um problema que é dramático e que tem também na sua base razões sociais, razões de exclusão", contrapôs Adalberto da Costa Júnior. "Não posso aceitar que o presidente acredite no que disse", contestou. Para Adalberto da Costa Júnior, a criminalidade reflete um "conjunto das crises" que não encontra soluções a nenhum nível".
UNITA cética sobre as autárquicas
Adalberto da Costa Júnior defende uma revisão da lei eleitoral antes da realização das primeiras eleições autárquicas em Angola, agendadas para 2020, mas que admite que venham a ser adiadas por causa do Governo. O líder da UNITA afirmou que tudo aponta para um adiamento das autárquicas, não só porque o Orçamento Geral do Estado para 2020 (OGE) não contempla uma verba para a Comissão Nacional Eleitoral despender, mas também pela falta de vontade do executivo.
Na sexta-feira (29.11), na abertura da segunda reunião ordinária do comité central do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), o Presidente angolano, João Lourenço, afirmou que "existe vontade política" para a realização das primeiras eleições autárquicas, previstas para 2020, mas só "após a aprovação do pacote legislativo autárquico". Para o líder da oposição em vez de um compromisso do Governo, estas declarações são "uma "intenção clara de adiamento", tendo em conta que falta aprovar legislação. "Só falta aprovar por decisão deles [Assembleia Nacional, com maioria parlamentar do MPLA] que não agendaram", um não-agendamento que significa para o líder da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) uma intenção de adiamento.
Questionado sobre se a UNITA espera um bom resultado eleitoral, Adalberto da Costa Júnior sublinhou que só poderá aspirar a um bom resultado se for feita a revisão da lei eleitoral. "Do modo em que esta formatada hoje a Comissão Nacional Eleitoral não garante, a nenhum nível, democraticidade e transparência dos atos eleitorais", destacou, considerando que "não há isenção do corpo administrativo que organiza as eleições face ao interesse do partido que governa o país [MPLA]".
Para a UNITA, o compromisso de realização das autarquias é definitivo: "nós vamos pressionar para que não haja um adiamento e vamos exigir a realização de eleições autárquicas em simultâneo em todo o país", reafirmou, adiantando que o partido vai ao encontro do que reclama a sociedade angolana.
Problemas não são todos da responsabilidade da família Dos Santos
O presidente da UNITA considera que a responsabilidade dos problemas de Angola não pertence só ao ex-presidente José Eduardo dos Santos, devendo ser partilhada com outros dirigentes do MPLA como o atual presidente João Lourenço. "Os conflitos que existem hoje entre a liderança atual do pais e a anterior tem consequências para nós todos, mas não penso que não há responsabilidades partilhadas", declarou.
"A postura hoje é de que os problemas que existem são todos do [ex-presidente José Eduardo] dos Santos e sua família. [Isso] não é verdade, quem governa hoje tinha grandes responsabilidades ontem, não foram responsabilidades de curto prazo, foram responsabilidades de 30 e 40 anos na estrutura de governação e em lugares estratégicos", criticou.
Deu como exemplo o Presidente da República, que foi vice-presidente da Assembleia Nacional, ministro da Defesa, de secretário-geral do MPLA, de secretário da Informação e membro permanente do Bureau Político, a estrutura de topo da tomada de decisões estratégicas. "Não é possível um desvinculo de responsabilidade de uma pessoa que ocupou sempre um cargo de chefia estratégica", atirou, acrescentando que "a equipa que governa, é a mesma equipa que governou com dos Santos". E questionou: "estão mal, não fazem parte dos milionários que beneficiaram desta gestão de Dos Santos? Pergunto-me se abdicaram das acumulações extraordinárias de capitais".
O responsável da UNITA diz que "nenhum angolano tem dúvidas de que o combate à corrupção e direcionado" e adiantou que "quanto mais perto da família dos Santos se está mais risco há de ir parar aos tribunais", uma prática que "não abona em temos de credibilidade do regime e não traz ganhos na luta contra a corrupção" que não tem trazido os devidos retornos para o erário público.
A título ilustrativo, apontou os casos de Augusto Tomás, ex-ministro dos Transportes, "cuja prisão não resultou em benefícios para o Estado", bem como o do Fundo Soberano (gerido pelo empresário Jean-Claude Bastos de Morais e pelo filho do antigo presidente angolano, Zenu dos Santos, que aguarda ainda julgamento), cujo valor seria de 5,7 mil milhões de dólares, sendo a quantia assumida pelo Estado de apenas metade.
UNITA preparada para assumir o passivo histórico
O presidente da UNITA diz que o partido está preparado para assumir os seus passivos históricos, exortando o MPLA a fazer o mesmo, nomeadamente no que diz respeito ao processo do 27 de maio. "Temos plena consciência de que Angola formatou-se numa luta muito longa que teve um período de guerra efetiva onde não foram só vitorias, também há passivos que temos de saber assumir com coragem", disse Adalberto da Costa Júnior.
Mas "dificilmente outros partidos nos acompanham", acrescentou, destacando que a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) tem "uma consciência real daquilo que foi a formatação do país e o processo histórico" que teve de abraçar, precisando de "reconhecer o que foi bom e o que foi menos bom".
Sobre a Comissão para Implementação do Plano de Reconciliação em Memória às Vítimas dos Conflitos Políticos posta em marcha pelo governo angolano, considerou que se trata de uma iniciativa útil. "Não é difícil identificar o surgimento desta comissão por parte do governo, mas mesmo que a razão tenha sido um pouco forçada é positiva", elogiou, considerando tratar-se de uma abordagem às consequências do 27 de Maio em que o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) "nunca conseguiu ser frontal".
Aludindo à "intentona" dentro do próprio regime do MPLA, que causou a morte de um numero indeterminado de angolanos de duas fações opostas, Adalberto da Costa Júnior considerou que este "programa mais amplo" de reconciliação das vítimas dos conflitos "foi a via que o MPLA encontrou para ultrapassar as suas próprias limitações" e não reconhecimento do estado angolano das pessoas que foram mortas neste processo. "Se o MPLA precisa de nós para assumir um pouco o seu próprio processo histórico, vamos ajudar. Se na sequência desta comissão tivermos uma Angola mais estável, mais reconciliada, em que as famílias estarão mais tranquilas, nós vamos ajudar", garantiu. Quanto à UNITA "tem dado mostras de saber, quando chamada, abraçar os seus passivos", afirmou: "Já desafiámos os outros movimentos, nomeadamente o estado a abordar estas questões", para um processo de "desanuviamento para o país".
Portugal usado pelos governantes angolanos
O presidente da UNITA afirmou que Portugal "foi usado" por governantes angolanos e defendeu que o relacionamento recíproco entre os dois países poderia ser mais vantajoso do que é atualmente. Adalberto da Costa Júnior, que viveu vários anos e se formou em Portugal, afirmou que a relação entre os dois países "nem sempre foi formatada por razões de valores", existindo em algumas ocasiões um grande uso político.
"Embora pareça que Portugal tem sido beneficiado acho que também foi vítima, em determinada altura, do uso que os governantes angolanos fizeram desta especificidade portuguesa", assinalou. Foi por Portugal que "passou boa parte da fuga de capitais" e o país foi usado como destino, ao nível bancário, de uma forma que deixou dúvidas sobre os benefícios daí resultantes, considerou o dirigente. "Alguma da deceção de hoje [de empresários em Angola] é consequência dessa realidade", admitiu.
O líder da UNITA lembrou o relacionamento e a proximidade histórica entre os dois países que faz com que Portugal não tenha "um competidor igual" apontando também os fatores de identificação cultural, como a língua oficial angolana, mas também algumas dificuldades de uma relação que "nem sempre foi estável".