"É preciso vontade política para negociar sobre Cabinda"
21 de junho de 2018As mudanças em curso em Angola, que visam a reforma do Estado, são uma "oportunidade de ouro" para se encontrar uma solução aceitável que permita definir o futuro político do enclave de Cabinda. A proposta é lançada pelo deputado independente Raul Tati, que participou esta quinta-feira (20.08), em Lisboa, num debate sobre o futuro do enclave.
Mudou-se o rosto, mas o dossier sobre o futuro do enclave continua nas mãos do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), o partido no poder. "É preciso encontrar uma solução para o conflito de Cabinda", afirma o deputado Raul Tati. O professor da Universidade Católica de Angola desafia os cabindas a não repetir o que aconteceu nos últimos 43 anos de governação de José Eduardo dos Santos.
"Nós não podemos ficar de mãos cruzadas, na expetativa que o Governo resolva [o problema de Cabinda]. Temos de continuar a luta. Temos de continuar a criar e a provocar o Governo, neste momento liderado pelo Presidente João Lourenço, para que olhe para o problema de Cabinda", afirmou Tati.
Ambiente propício
Recentemente, o novo Governo de Angola, liderado por João Lourenço, admitiu a grave situação de instabilidade que se vive no enclave, situado entre os dois Congos. O deputado independente considera que a atual conjuntura de reformas do aparelho do Estado constitui uma oportunidade ímpar para que seja definido o futuro do território. E considera que "o ambiente político é propício" e que "também as perspetivas são animadoras".
Mas o académico acrescenta que "o Presidente ainda não deu nenhum sinal positivo que nos possa entusiasmar em relação a uma vontade política de ir ao encontro dos cabindas para resolver esse problema. Ainda não temos isso, pelo menos do ponto de vista oficial".
O deputado independente, apoiado pela bancada parlamentar do maior partido da oposição angolana, a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), afirma que as eleições autárquicas em si não devem resolver a questão de Cabinda.
Ele explica que "uma coisa são as reivindicações autonómicas que sempre tiveram lugar em Cabinda e outra coisa é a questão das autarquias que se forem bem orientadas – por exemplo estamos a pensar criar em Cabinda uma autarquia supramunicipal tal como está na Constituição – podia talvez dar uma luz para aquilo que nós pretendemos, dentro daquilo que se pode esperar em termos de soluções graduais para o nosso problema".
Para o jornalista e ativista angolano Sedrick de Carvalho, autor do livro "Cabinda – Um território em Disputa", este também é um momento favorável para a autonomia, se houver um diálogo aberto.
De acordo com o ativista, "há movimentos nesse sentido para que haja o diálogo aberto". "João Lourenço não tem como fugir a esse debate. Então, acredito que vai ser obrigado a dialogar e, sobretudo, a dialogar com quem faz uma luta pacífica pela independência ou autonomia de Cabinda", avaliou Sedrick de Carvalho.
"Direito do povo de Cabinda"
O Governo de João Lourenço deve estar predisposto a negociar com justiça. Este é o que deseja o povo de Cabinda, segundo José Marcos Mavungo, ativista dos Direitos Humanos. "No fundo, a grande questão é que o povo de Cabinda tem o direito à autodeterminação. É um direito natural que nem Angola tem direito de negar, nem o próprio povo de Cabinda deve negar isto. Temos vindo a lutar [no sentido de] criar as condições para que haja um diálogo transparente e inclusivo", disse.
Mavungo respeita as opiniões de vários quadrantes sobre autonomia ou independência. O que importa, sublinha, é que o Presidente João Lourenço tenha coragem política para definir o rumo deste processo político, sob pena de poder transformar-se num problema fatal para Angola.
"E nós achamos que Angola não podia apenas ter um novo presidente, mas tinha que ter-se a vontade de rever a governação destes últimos 43 anos, examinar os erros que foram cometidos e tirar lições para se dar um novo passo, não só em termos de governação mas até em relação à própria lei".
Sedrick de Carvalho, José Marcos Mavungo, Raul Tati e o advogado e ativista Arão Bula Tempo, que participou via teleconferência, foram oradores num debate sobre o futuro de Cabinda. A mesa-redonda, com o objetivo de promover a reflexão também ao nível académico, é uma iniciativa conjunta da Plataforma de Reflexão Angola e do Núcleo de Estudantes Africanos (NEA) do Instituto Universitário de Lisboa.