Aos 100 anos, as inquietações de Cabral continuam atuais
9 de setembro de 2024"Estarei eternamente grata a este homem que me mostrou o caminho para a liberdade e me inspirou a lutar", referiu Ana Maria Cabral, viúva daquele que se descrevia como um "simples" africano a cumprir o dever que se impunha, na época em que viveu - foi assassinado em 1973, no auge da luta contra o colonialismo do regime fascista português.
Ana Maria, que falava na abertura do simpósio internacional que decorre hoje e terça-feira na Praia e quarta e quinta-feira em Bissau, mostrou-se grata pelo modo de vida de Amílcar Cabral, por mostrar a forma simples como se fazem coisas grandiosas - um traço sublinhado por outros oradores.
Um impacto que atravessou fronteiras e ajudou Portugal a caminhar para a democracia, recordou António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, que enviou uma mensagem gravada para a abertura do simpósio de hoje.
Afinal, o pai das independências da Guiné-Bissau e Cabo Verde "depositou grandes esperanças na ONU" e a sua "notável ação diplomática" também teve a organização como palco, referiu.
"É com grande satisfação que me associo a esta comemoração", disse Guterres, congratulando a Fundação Amílcar Cabral por promover o legado de uma das "mais destacadas" figuras do século XX.
José Maria Neves, Presidente cabo-verdiano, apontou Cabral como personalidade que "inspira, pelo exemplo, a formular dúvidas e questões sobre os temas de hoje", para se chegar "a soluções".
"Lutou incansavelmente pela dignidade humana" e foi, "acima de tudo, um pedagogo da política", que inspirou José Maria Neves - ao ponto de, a determinada altura, pensar seguir engenharia agrónoma, como Cabral, confessou.
"Pela dimensão gigante da sua obra, libertou-se da morte" e atravessou fronteiras, assinalou o chefe de Estado, acrescentando que "nem faz sentido ficar-se apenas pelos estreitos corredores dos partidos políticos: é património da humanidade".
Atualidade do pensamento de Cabral
A atualidade do seu pensamento revela-se também em princípios base que divulgava, como por exemplo, o de cada pessoa ter de "pensar pela sua própria cabeça", tal como "no iluminismo", por oposição aos fanatismos, apontou o reitor da anfitriã Universidade de Cabo Verde (UniCV), José Arlindo Barreto.
E porque "ainda há povos oprimidos", o pensamento "fecundo e inovador" de Cabral continua a ser uma interpelação ao que se passa no mundo, da mesma forma que foi um contraponto a uma visão hegemónica colonialista, destacou Pedro Pires, presidente da Fundação Amílcar Cabral.
O antigo chefe de Estado e de governo cabo-verdiano, que conviveu com Cabral, referiu que a vitória e conquista da independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde foi uma forma de o movimento se "redimir" da "dívida trágica e irreparável" de não ter conseguido travar "traidores" que o assassinaram, a mando do regime colonial.
Uma redenção que continua com a salvaguarda do legado no Simpósio Internacional que hoje arrancou e decorre, em simultâneo, nas capitais dos dois países, Praia e Bissau, até quinta-feira, dia em que Amílcar Cabral faria 100 anos.
Homenagem aos companheiros de luta
Na cerimónia de abertura de hoje, o Presidente cabo-verdiano aproveitou para prestar uma "homenagem da República aos companheiros de Cabral, combatentes da liberdade da pátria", presentes no evento, especialmente, Pedro Pires.
O Governo cabo-verdiano esteve representado na sessão pelo ministro da Cultura e das Indústrias Criativas, Augusto Veiga.
Amílcar Cabral nasceu a 12 de setembro de 1924, em Bafatá, na então Guiné Portuguesa (hoje Guiné-Bissau), e foi assassinado a 20 de janeiro de 1973, em Conacri, Guiné.
As comemorações do centenário têm sido marcadas por diversos eventos académicos, culturais e políticos em várias partes do mundo.
Desenvolvidas desde 2022, as iniciativas aceleraram em janeiro, com teatro, música, marchas e debates, que têm tratado vários temas da política à agronomia, passando pelo desporto, mostrando a multidisciplinaridade de Cabral.