"Radicais islâmicos" financiam os ataques, diz investigador
21 de junho de 2018Fernando Jorge Cardoso, especialista em estudos africanos do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL e coordenador de estudos estratégicos da organização não-governamental Instituto Marquês de Valle Flôr, defendeu esta quinta-feira (21.06) que os ataques contra civis na região de Cabo Delgado (norte de Moçambique) são financiados por "radicais islâmicos" com o objetivo de desestabilizar, mas afastou o cenário de criação de um "movimento endógeno de longo prazo".
"Não tenho a mínima dúvida que neste momento há financiamento de radicais islâmicos, através do Médio Oriente, interessados na instabilidade no leste africano e que cada vez têm mais ligação ao longo do litoral leste de África", comentou o especialista.
Insatisfação dos jovens
Segundo Fernando Jorge Cardoso, "há alguma insatisfação, particularmente de parte da população jovem na zona litoral, que vê a perspetiva de grandes investimentos a serem realizados, mas que não viu até agora nenhuma possibilidade de melhoria do nível de vida". Mas, assinalou, "isso, por si só, não leva à morte de pessoas e ao vandalismo sobre civis", referindo-se aos ataques, nos últimos meses, na região de Cabo Delgado. Para Fernando Jorge Cardoso, "há claramente um movimento de desestabilização que encaixa nessa insatisfação e que é financiado do exterior".
No entanto, o investigador não acredita que haja "condições no interior de Moçambique para a criação de um movimento endógeno de longo prazo".
O objetivo é chamar a atenção
Os ataques, comentou, são preocupantes, por atingirem civis e por "desestabilizarem toda uma área, particularmente na zona norte litoral, perto das grandes jazidas de gás, que estão prestes a começar em exploração".
O objetivo, continuou, é "desestabilizar, chamar a atenção e criar uma visibilidade maior e dar a aparência de que este movimento 'jihadista' não foi aniquilado, apesar de tudo o que está a acontecer ao designado Estado Islâmico e à Al-Qaeda".
O especialista ressalvou que os ataques estão a ocorrer numa extensão de 100 quilómetros da costa leste moçambicana, num país com 2.750 quilómetros de litoral. "Não deixa de ser grave e preocupante e afeta sem dúvida a exploração de gás, mas as grandes companhias que lá operam estão habituadas a este tipo de movimentação. Não acredito que este tipo de movimentos seja capaz de parar o desenvolvimento da exploração de gás", acrescentou.
Estabilidade no país
Fernando Jorge Cardoso sublinhou também que estes ataques "nada têm a ver com os conflitos anteriores - que ainda não estão totalmente resolvidos, mas estão quase - entre a FRELIMO [no poder] e a RENAMO [principal partido da oposição]", comentando que as aquelas forças "não veem com bons olhos, de forma alguma, para o que se está a passar".
As autoridades suspeitam que os crimes sejam da responsabilidade de células de um grupo que atacou a polícia e matou dois agentes na vila de Mocímboa da Praia em outubro de 2017 e que desde então tem invadido aldeias remotas, saqueando-as e provocando um número incerto de mortes e deslocados.
Só na mais recente vaga de violência, desde 27 de maio, morreram pelo menos 29 habitantes, 11 supostos agressores e dois elementos das forças de segurança, segundo números das autoridades e testemunhos da população.
Restaurar a estabilidade no norte do país
A Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados de Moçambique (CDHOAM) instou as autoridades moçambicanas a restaurarem a estabilidade nos distritos daprovíncia de Cabo Delgado alvo de ataques atribuídos a grupos armados de inspiração islamita.
O presidente da CDHOAM, Ricardo Moresse, afirmou, citado esta quinta-feira pela Agência de Informação de Moçambique (AIM), que as autoridades devem atuar com celeridade para estancar a violação flagrante dos direitos humanos em Cabo Delgado.
"Quanto mais cedo se controlar a situação, melhor ainda, porque não há dúvidas de que estamos perante uma violação dos direitos humanos e é preciso controlar esta situação o mais cedo possível", disse Moresse.
Os autores dos ataques, prosseguiu, devem ser responsabilizados pelos seus atos, dentro de um processo legal justo.
"Não importa de quem sejam os ataques, o mais preocupante é que estão acontecer e o pior é que são sem rosto", acrescentou o presidente da CDHOAM.