Atrocidades de Jonas Savimbi: "O que passou, passou..."
21 de fevereiro de 2019Jonas Savimbi foi morto em combate a 22 de fevereiro de 2002 em Lucusse, província de Moxico, Angola. O líder da UNITA, inicialmente um grupo de guerrilha e hoje maior partido da oposição do país, enfrentava as forças governamentais a quem deu muita "dor de cabeça" durante vários anos. Muito se fala sobre a sua coragem, inteligência, habilidades militares e visão enquanto político. Mas também se contam muitas histórias sobre um comportamento considerado até certo ponto desumano no palco de guerra. Mas esse homem com fama de cruel tinha família: dezenas de filhos e várias esposas. Como os seus filhos vêm esse lado duvidoso do pai? Conversamos com o filho Rafael sobre o lado mais íntimo do destemido Jonas Savimbi.
DW África: Passam 17 anos desde o assassinato de Jonas Savimbi. Como será lembrado esta figura no seio da sua família e do seu partido?
Rafael Savimbi (RS): Devo dizer que uma vez feita a exumação é sinal de que o processo foi despoletado e neste momento estamos praticamente a cuidar de todos os aspetos organizacionais e programáticos do ato da exumação, pelo que até ao nível partidário, a direção da UNITA praticamente consagra 2019 como o ano dedicado a Jonas Savimbi. Então, todos os programas e atos serão feitos a volta da figura de Jonas Savimbi até ao seu funeral condigno. O dia 22 de fevereiro deste ano será assinalado por um ato, por uma conferência nacional que vai falar da vida e obra de Jonas Savimbi a nível partidário. A nível da família também temos o nosso momento, que nos permite refletir, recolher, fazer balanços e sobretudo desejar que tudo corra bem e que também a sua alma descanse em paz.
DW África: A UNITA diz que o programa das exequias deve ser cumprido num ambiente de serenidade de espírito. Angola já vive isso?
RS: Não diria que Angola vive isso, mas precisa de viver isso. Nós passamos por momentos difíceis e seguramente que enterrar condignamente Jonas Savimbi também é um momento muito importante que deve ser aproveitado por todos para aprofundarmos a nossa reconciliação, para criarmos cada vez mais um ambiente sereno e pacífico para refletirmos com profundeza o nosso percurso e sobretudo também aproveitarmos esta oportunidade para lançarmos os grandes desafios de Angola de amanhã que têm a ver com questões económicas, de inclusão social, com questões de uma maior e melhor distribuição de renda nacional para no fundo melhorarmos as condições de vida dos cidadãos, afinal é esta a razão da luta de Jonas Savimbi.
DW África: É de conhecimento público que Savimbi teve vários filhos e também é de conhecimento público que alguns deles viveram fora de Angola. A união familiar terá ficado de alguma maneira ameaçada com a morte de Jonas Savimbi?
RS: Felizmente não, Jonas Savimbi foi praticamente o pilar da família, o denominador comum da família. Mas neste seu papel que desempenhou muito bem deixou uma base muito sólida que é uma base de unidade e solidariedade na família. Felizmente nós os irmãos conhecemo-nos todos, temos contacto permanente, partilhamos ideias e opiniões, estamos em contacto permanente, seja entre os que estão dentro ou os que estão fora. Felizmente essa questão não se coloca, somos uma família muito unida, irmãos unidos, que conhecem a sua história e que também sabem para onde querem ir. Foi esse homem que nos ensinou que a vida é um combate permanente e que aqueles que hoje podem estar a nossa testa podem passar amanhã e que outras gerações devem preparar-se permanentemente para estarem a altura dos desafios do que a vida nos for a oferecer.
DW África: E como se manifesta isso, por exemplo, na condução do processo das cerimónias fúnebres?
RS: Este processo naturalmente é partilhado por todos, partilhamos a informação. Temos o nosso irmão mais velho, o engenheiro Cheya Savimbi, que está a coordenar o grupo dos irmãos, partilha ideias e opiniões. Cada um está a dar a sua opinião, contribuição para que tudo corra da melhor maneira possível. Felizmente esse é um ponto inquestionável, nós estamos bem, graças a Deus.
DW África: E quantos irmãos são?
RS: Somos trinta irmãos, não é um tabu.
DW África: Quantos vivem em Angola?
RS: Quase metade hoje, somos mais ou menos 16 a viver em Angola.
DW África: Em termos de atividade partidária, quantos estão filiados a UNITA?
RS: Estamos todos, com a exceção dos mais novinhos, mas praticamente nós todos somos membros da UNITA, mas na vida política ativa somos dois, com funções de revelo [na UNITA], eu e o meu irmão Tão Savimbi.
DW África: Vocês, filhos de Jonas Savimbi, processaram o fabricante do videogame "Call of Duty" por retratar o vosso pai como um imbecil e assassino. Em que pé está o processo?
RS: Ficou encerrado, infelizmente não ganhamos a causa. Mas ficou a ideia clara de que vamos defender a imagem e o bom nome do nosso pai seja quais forem as circunstâncias. De facto, aquele jogo não retrata quem seria o Jonas Savimbi.
DW África: E o livro de Emídio Fernando intitulado "Do lado errado da história" é algo com o qual a família Savimbi se identifique?
RS: Não, nós não nos identificamos porque hoje a história que é verdadeira, que é esta que só o tempo permite contar, está a dar razão a Jonas Savimbi, afinal ele nunca esteve do lado errado da história, é a máquina de propaganda que quis passar essa ideia. Mas na prática a história narrou acontecimentos reais que influenciaram a vida das pessoas durante um grande período, portanto não é a fabricar coisas, a história mostra que, de facto, a história está a dar razão a quem esteve do lado correto e verídico da história. Os que ontem diziam que Savimbi esteve do lado errado da história talvez estejam hoje eles desse lado, onde quiseram colocar o outro.
DW África: Jonas Savimbi é várias vezes associado a atrocidades no campo de guerra. É essa a imagem que tem do seu pai ou conhece algo completamente diferente?
RS: É preciso dizer que um conflito armado não é um banquete, não é uma festa, pelo que excessos acabam acontecendo. E tivemos um conflito armado aqui em Angola, mas felizmente o tempo está a demonstrar quem sempre criou condições para levar os outros para o conflito. Contudo, o momento que vivemos em Angola não se presta mais a essas condições, hoje nós todos estamos engajados num processo de reconciliação nacional onde temos de nos aceitar independentemente do que terá passado. Pelo que hoje o nosso discurso que está na moda é o discurso da reconciliação. O que passou passou, as pessoas não esquecem, mas temos que conduzir Angola de outra maneira.