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Aumentam denúncias de violência policial em Angola

Maria João Pinto7 de setembro de 2016

Multiplicam-se relatos de tortura e mortes às mãos da Polícia Nacional. Ativista e jornalista Rafael Marques afirma que “a execução sumária de cidadãos se tornou uma prática oficiosamente institucionalizada”.

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Foto: Getty Images/Afp/Estelle Maussion

A 31 de agosto, três cidadãos foram torturados até à morte na 8ª esquadra, no Rangel, em Luanda. A denúncia chegou ao portal Maka Angola na voz da família de José Padrão Loureiro. O corpo de Zeca, como era tratado pelos familiares, foi deixado na morgue do Hospital Josina Machel, pela Polícia, depois de ter sido detido e acusado de integrar um grupo de assaltantes. O cadáver, diz a família, mostrava sinais de uma brutalidade chocante.

No mesmo dia, segundo a família de José Padrão Loureiro, dois outros cidadãos foram “torturados e assassinados” na 8ª esquadra. Segundo o pai de uma das vítimas, citado pela irmã de Zeca, o jovem terá sido morto pela polícia quando assistia à perseguição de um grupo suspeito de roubo.

Os casos - denunciados num artigo do Maka Angola assinado por Rafael Marques - não são inéditos, diz o ativista e jornalista angolano. “As execuções sumárias sempre foram uma prerrogativa do Governo de José Eduardo dos Santos, sempre foram usadas. Acontece que, agora, com as redes sociais, há uma maior interação entre os cidadãos, e as execuções começam a ser cada vez mais denunciadas”, explica Rafael Marques.

Rafael Marques
Ativista e jornalista angolano Rafael MarquesFoto: DW/J. Beck

“Por exemplo, esta terça-feira (6.09), uma família divulgou a fotografia de um jovem morto numa dessas arbitrariedades da Polícia Nacional. Mas acontece todos os dias”, frisa. “Os crimes cometidos pela Polícia Nacional a 31 de agosto atingiram níveis máximos de crueldade, mesmo para os padrões da violência policial em Angola”, escreve o ativista no artigo publicado na terça-feira (6.09) no Maka Angola sobre as mortes na 8ª esquadra, no Rangel. No mesmo dia, Rafael Marques recebeu várias denúncias de violência policial em Angola. “Eu reportei o caso de 31 de agosto, mas, já esta terça-feira, recebi mais informações: dois jovens foram mortos e os seus corpos abandonados em Viana e uma criança terá sido atingida por uma bala perdida. É um processo contínuo.”

Polícia “passa culpa” para SIC

A DW África tentou, sem sucesso, ouvir a Polícia Nacional sobre estes casos. Por sua vez, o Ministério do Interior remeteu mais informações para um comunicado de imprensa que, até à hora da publicação deste artigo, ainda não tinha sido divulgado.

Segundo Rafael Marques, a Polícia Nacional remete responsabilidades para o Serviço de Investigação Criminal (SIC) - que está dependente do ministro do Interior e não do Comando Geral da Polícia. Um facto, diz o jornalista, que não isenta os agentes policiais de culpa, uma vez que “estas acções acontecem, regra geral, em unidades policiais”.

“A Polícia Nacional tem o dever de proteger os cidadãos. Se a Polícia permite que um órgão de investigação torture e mate nas suas instalações, é porque é cúmplice e subscreve este tipo de práticas”, afirma Rafael Marques.

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O jornalista acredita que as autoridades angolanas estão a tentar criar um clima de medo, em resposta ao aumento exponencial da criminalidade em Luanda, devido à crise que o país atravessa. E afirma que está agora a nu “a carga altamente criminosa do Governo, que durante muitos anos foi disfarçada com oportunidades que [o Executivo] ofereceu a muitas entidades estrangeiras e muitos países, passando a ter um ar de sofisticação”.

“Com o desaparecimento desta imagem de sofisticação, cada vez mais nos confrontamos com a realidade: é esta, de matança”, conclui Rafael Marques.

Justiça ao lado do Governo

O ativista angolano lamenta ainda que a Justiça esteja do lado das autoridades, quando cometem abusos. Rafael Marques lembra o caso de Rufino, o jovem de 14 anos morto a 5 de agosto por elementos das Forças Armadas Angolanas, quando contestava a demolição de casas no Zango, em Luanda.

“O Presidente do Tribunal Supremo Militar diz que ‘ouviu dizer' que um militar disparou contra uma criança de 14 anos em legítima defesa. O próprio Estado Maior do Exército fez um comunicado a dizer que foram encontradas duas armas na posse do jovem. Um rapaz de 14 anos”, sublinha o jornalista. “Nem se pode falar de justiça neste país. Isto revela o nível de cumplicidade e apoio que este tipo de abusos tem do sistema judicial. Foi filmado, há fotografias? Onde estão as armas? Só mentiras”, afirma.

Abriss Wohnungen Zango II
Zona do Zango II onde Rufino António, de 14 anos, foi atingidoFoto: DW/P. Borralho

Comunidade internacional também é culpada

O ativista angolano considera que o ciclo de violência no país só pode ser travado “com denúncias e condenações”. Para além Justiça angolana, Rafael Marques aponta ainda o dedo à comunidade internacional, que acusa de compactuar com o Governo de Angola no que diz respeito às violações dos direitos humanos.

Exemplifica com “os políticos portugueses” que vão sempre a Angola, lembrando que Paulo Portas, antigo vice-primeiro-ministro afirmou recentemente no país que “o problema dos angolanos é dos angolanos e os portugueses só têm que lidar com os negócios em Angola”.

“Esses indivíduos vêm certificar, com a maior desfaçatez, a violação dos direitos humanos neste país, como se fosse um ato de pretos, como que a dizer ‘os pretos podem matar-se uns aos outros e está tudo bem, desde que dêem negócios aos brancos'. Este regime só consegue fazer este tipo de abusos porque tem apoio internacional”, frisa Rafael Marques.

“É preciso denunciar esse tipo de situações, porque, sem apoio internacional, o povo já estaria pelo pescoço desses dirigentes”, conclui.

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