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Aumentam receios de uma divisão da Líbia

7 de março de 2012

O Conselho Nacional de Transição líbio (CNT) ameaça recorrer à força para impedir as tentativas de autonomização do leste do país, proclamada por chefes tribais e milícias locais. Teme-se agora que o conflito escale.

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Manifestantes líbios protestam contra o regresso ao federalismo
Manifestantes líbios protestam contra o regresso ao federalismoFoto: Reuters

Líderes tribais e comandantes de milícias declararam, na terça-feira (06.03), semi-autónoma a região de Cirenaica, rica em petróleo, na zona leste da Líbia. Pediram também o regresso ao federalismo. Numa cerimónia realizada em Benghazi foi ainda nomeado um conselho para gerir a nova região, que se estende desde a cidade costeira de Sirte até à fronteira com o Egito.

O CNT, no poder desde a queda do regime de Muammar Kadhafi, opõe-se à criação de uma região daquele tipo, considerando que pode levar à desagregação do país. O presidente do CNT, Mustafa Abdeljalil, acusou já alguns países árabes de apoiarem e financiarem a secessão no leste do país.

A DW África entrevistou o diretor do Instituto Português de Relações Internacionais e Segurança (IPRIS), Paulo Gorjão, a propósito da atual situação no país.

DW África: Diz-se que estão a aumentar os receios de que a Líbia se divida. Como é que analisa este risco de fragmentação? Poderemos estar perante uma nova insurgência?

O presidente do CNT, Mustafa Abdeljalil, acusa alguns países árabes de apoiarem e financiarem a secessão no leste da Líbia
O presidente do CNT, Mustafa Abdeljalil, acusa alguns países árabes de apoiarem e financiarem a secessão no leste da LíbiaFoto: Reuters

Paulo Gorjão (PG): Sim e não. Isto é, este perigo de uma nova insurgência não deixou de existir desde que Muammar Kadhafi foi capturado e executado. Portanto, a questão da desmobilização e da inserção das forças combatentes noutros contextos históricos é sempre uma questão real e presente em civilizações similares. Desde que se iniciou o conflito na Líbia que se sabia que depois, mais tarde, existiria um problema que tinha que ver com a desmobilização e com a reinserção destas forças na sua submissão de novo ao estado. Portanto, desse ponto de vista não há aqui nenhuma novidade. Mas evidentemente que houve aqui uma escalada no risco do conflito se poder voltar a reiniciar na Líbia. Isso é evidente.

DW África: Os dirigentes tribais e de milícias pediram também o regresso ao federalismo. Na prática, o que significa o restabelecimento do federalismo na Líbia?

PG: Significa aquilo que os líderes tribais procuram, que é uma maior autonomia. Ou seja, procurar obter o máximo de espaço de manobra possível em relação ao estado central, ao governo central. E o objetivo é muito óbvio, tem que ver com a gestão, com a autonomia política e por consequente com a gestão dos recursos, nomeadamente dos recursos oriundos da riqueza energética que essa região tem. Na prática, estamos aqui a assistir muito claramente a uma disputa política que visa, nada mais nada menos, que o controlo dessa renda oriunda da riquezra energética de que a Líbia beneficia.

DW África: O anúncio feito em Benghazi também vem aprofundar os problemas do CNT, no poder desde a queda do regime de Muammar Kadhafi, em outubro passado. O presidente do CNT, Mustafa Abdeljalil, já ameaçou recorrer à força para impedir a autonomia do leste do país. Será esta a única forma de afirmar a sua autoridade sobre as milícias?

PG: Não sei. Mais uma vez, o Conselho Nacional de Transição também já sabia que mais cedo ou mais tarde iria enfrentar riscos sérios de fratura. O Conselho Nacional de Transição surge no âmbito de um contexto em que tem um elo agregador, cujo objetivo é a deposição de Kadhafi. E mesmo nessa altura foram visíveis as fraturas no seu seio.

Líderes tribais e comandantes de milícias declararam semi-autónoma a região de Cirenaica, rica em petróleo
Líderes tribais e comandantes de milícias declararam semi-autónoma a região de Cirenaica, rica em petróleoFoto: picture-alliance/dpa

A partir do momento em que deixa de existir esse elo agregador, mais tarde ou mais cedo já se sabia que o próprio CNT entraria em convulsões. Por isso é que os observadores internacionais e até observadores internos líbios há muito que querem um processo, o mais rápido possível, no sentido da realização de eleições, porque as eleições, virão conferir legitimidade aos representantes em nome do povo líbio.

Até lá, vamos assistir a todo este jogo de poder entre os diferentes atores, precisamente procurando salvaguardar o seu espaco de manobra e salvaguardando para si determinados objetivos. Assistir a isso na Líbia no passado, estamos a assistir atualmente e vamos seguramente continuar a assistir nos próximos meses a fatores de tensão recorrentes, até que ocorram eleições.

DW África: Várias organizações de defesa dos direitos humanos têm advertido que as milícias fora de controlo representam o maior desafio para o novo poder. Concorda?

PG: Concordo. Desde o início que defendo que uma questão tão prioritária como a realização de eleições é precisamente o processo de desmobilização e de desarmamento destas milícias. Até agora, isso não tem sido possível, a comunidade internacional também não tem colocado muito empenho nisso e, portanto, estas milícias são um fator de tensão e fonte de poder que escapa a qualquer tipo de controlo e são obviamente um fator de risco muito grande.

Autora: Madalena Sampaio
Edição: Renate Krieger