Autárquicas em Moçambique: Uma mão-cheia de irregularidades
10 de outubro de 2023As organizações de observação eleitoral consideram que a campanha para as eleições de 11 de outubro, que terminou no domingo, desenrolou-se, em geral, num clima de "convivência pacífica". Esta semana, o Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE) saudou os concorrentes às autárquicas pela forma ordeira como decorreu a caça ao voto.
Contudo, os relatos de confrontos violentos, a destruição de material de campanha e as denúncias de ilícitos eleitorais têm sido vários por todo o país.
A maioria das queixas é apresentada pelos partidos da oposição contra a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO, no poder).
Confrontos em Niassa
Na província de Niassa, por exemplo, na autarquia de Metangula, a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) disse que um agente da polícia tentou assassinar o cabeça de lista do partido durante o comício de encerramento da campanha.
"Graças à providência divina, o agente errou o alvo. Infelizmente alvejou, sem grande gravidade, um religioso que estava a orientar uma oração", denunciou o porta-voz da RENAMO, José Manteigas.
À DW, Alves Mate, chefe do departamento de relações públicas da Polícia da República de Moçambique em Niassa, afirmou que houve um mal-entendido com os apoiantes da RENAMO e que a polícia interveio para controlar a situação. Segundo Mate, os agentes da polícia teriam ido ao encontro do cabeça de lista da RENAMO porque ele se teria sentido mal, mas foram recebidos à pedrada, algo que levou as forças de segurança a intervir.
Osboletins eleitorais do Centro de Integridade Pública (CIP)referem que quatro pessoas ficaram feridas devido a disparos da polícia.
No município de Cuamba, a corporação acusou membros da RENAMO de vandalizarem residências onde supostamente estariam eleitores de distritos sem autarquia. O objetivo seria aumentar o número de eleitores da FRELIMO nessas zonas.
À DW, a Comissão Provincial de Eleições disse na segunda-feira não ter conhecimento de ilícitos eleitorais em Niassa, uma vez que não havia quaisquer denúncias oficiais.
Cadernos "viciados" e detenções na Beira
Mais a sul, na cidade da Beira, o Movimento Democrático de Moçambique (MDM) denunciou a circulação de 33 cadernos eleitorais alegadamente viciados. O Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE) ainda não se pronunciou.
Foi também na Beira que membros do MDM foram detidos pela polícia, acusados de ilícitos eleitorais. Dois deles, os delegados políticos do partido, da cidade da Beira e da província Sofala, são acusados de raptarem um elemento da FRELIMO, que estaria a recolher cartões de eleitores.
O Tribunal da Beira anunciou esta terça-feira o adiamento da leitura da sentença para a próxima terça-feira (17.10).
As t-shirts de Inhambane
A vandalização e destruição de material de campanha tem sido uma das mais frequentes denúncias por parte da oposição.
Desde o início da campanha eleitoral, o MDM já relatou vários episódios de vandalização de material de campanha. Tete, Gaza e Maputo são algumas das províncias onde o partido diz ter visto cartazes e elementos identitários serem retirados, vandalizados e até destruídos por membros da FRELIMO.
Também a RENAMO acusou o partido no poder de vandalizar material de campanha, particularmente na província de Inhambane.
Na província, o Consórcio Mais Integridade relatou ainda o desaparecimento de urnas. A denúncia não foi confirmada até agora.
Por outro lado, alguns partidos da oposição e observadores eleitorais denunciaram a circulação, na província, de cópias de cadernos eleitorais, que supostamente seriam usados pela FRELIMO para recolher cartões de eleitores. Mas Leonardo Bila, diretor do STAE, explicou à DW que a disponibilização dos cadernos aos partidos concorrentes está prevista na lei.
Nestas eleições, um dos episódios que mais tem chamado à atenção, nas redes sociais, é um vídeo onde se podem ver apoiantes da FRELIMO a calcar t-shirts do MDM. Um dos homens presentes no vídeo afirma que "só vai permanecer e reinar a FRELIMO em Homoíne", um dos distritos da província.
A Comissão Nacional de Eleições afirmou que este episódio é "um ilícito eleitoral que tem de ser punido".
Eleitores-fantasma
Os relatos de ilícitos eleitorais e violência chegam também de outros pontos no país.
Na cidade de Nacala-Porto, por exemplo, o Centro de Integridade Pública documentou "violentos confrontos entre simpatizantes da FRELIMO e da RENAMO". Registou ainda "pequenos confrontos" no mercado central de Mandlakazi, em Gaza, e "escaramuças" na cidade de Chókwè e em Maputo.
Sobre alegada fraude eleitoral e eventuais eleitores-fantasma, o Boletim das Eleições do CIP denuncia que a FRELIMO duplicou algumas mesas de voto, onde os seus membros terão sido registados primeiro.
Esta ação teria como objetivo permitir que "milhares de pessoas votem duas vezes, isto é, enchimento de urnas em grande escala através da criação de mesas de voto falsas".
Além disso, segundo o CIP, a "oposição vai jogar num campo inclinado na Matola" devido a "funcionários públicos e membros da FRELIMO" como presidentes de mesas de votos.
Para combater a fraude, o fenómeno "Votou, sentou!" ganha força nas redes sociais. Aoposição apela a que os eleitores não saiam de perto das assembleias de voto, para fiscalizar e controlar o processo e os movimentos durante a contagem de votos.
A CNE já se manifestou, pedindo à população que "vote e volte" para casa.