Bienal do livro em Brasília destaca literatura africana
19 de abril de 2012Em um dos eventos da primeira Bienal Brasília do Livro e da Literatura, realizada esta semana na capital brasileira, a poetisa e historiadora angolana Ana Paula Tavares falou sobre o papel da mulher na literatura. Em conversa com a DW África, ela falou sobre as transformações históricas e o espaço que a produção literária vem ganhando. Para ela, é difícil a literatura divorciar-se do quotidiano.
"O dia a dia é de tal maneira desafiante é de tal maneira complexo que a literatura tem que passar por aí. Por muito intelectualizada que a mulher seja, por muitas leituras que ela tenha feito de outros universos literários do mundo, ela tem que olhar o seu lugar", diz Tavares.
Não só a mulher, mas as sociedades em si são afetadas pelos acontecimentos quotidianos. A tomada do poder, no último dia 12, pelo autodenominado "Comando Militar" na Guiné-Bissau é um exemplo atual de situações extremas que influenciam as reflexões. O autor guineense Abdulai Silá havia sido convidado a participar na Bienal, mas não conseguiu sair do país.
Em Bissau, segundo Ana Paula Tavares, os momentos de reflexão acabam sendo raros. "Quando se tenta refletir, acontece qualquer coisa violenta que realmente perturba o quotidiano de toda gente. É impossível ficar indiferente a tudo isso que acontece", destaca.
Barreira da língua
A escritora moçambicana Paulina Chiziane também falou da dificuldade em encontrar, na produção atual, exemplos de textos que convidem à reflexão. "Quando aparece alguém com alguma ousadia e coloca o dedo na ferida, no princípio recebe muita resistência. Pessoalmente, quando comecei a escrever sobre mulheres e o que elas pensam, suportei uma oposição muito grande", conta Chiziane.
Uma dificuldade para esse engajamento, segundo ela, é a multiplicidade de línguas encontradas no continente e dentro dos próprios países. Isso acaba por ser um empecilho para que a literatura exerça a função urgente de recolha e recriação da sabedoria dos povos africanos, explica Chiziane.
"A língua portuguesa, apesar de ser uma vantagem é também uma barreira, porque mais de metade da minha população moçambicana não fala o português e nós trabalhamos na língua portuguesa. Muito poucos são os autores que escrevem em outras línguas. Ao escrevermos as nossas obras nós usamos o estereótipo europeu para escrever África e eu sinto isto com muita tristeza", diz a escritora.
África não é uma coisa só
O angolano Ondjaki, criticou a organização da Bienal por ter chamado o grupo de autores como pertencendo a países de "expressão portuguesa". "Nós somos países africanos de língua portuguesa. Não temos que ser países africanos de expressão portuguesa, porque isto fica feio, é desagradável", reclamou.
Ondjaki argumenta que o continente é rico em cultura e expressões literárias e não pode ser considerado uma coisa só. "Eu penso que as literaturas vão ganhando corpo e identidade próprias. Com o tempo naturalmente a gente vai parar de dizer 'literaturas africanas' ou mesmo 'literaturas africanas de língua portuguesa'. Nós vamos começar a falar da literatura moçambicana, da literatura guineense, da literatura cabo-verdiana...”
Além dos escritores de Angola e Moçambique, também participou da primeira Bienal Brasília do Livro e da Literatura o cabo-verdiano Germano Almeida.
Autora: Ericka de Sá (Brasília)
Edição: Francis França/António Rocha