Bolsonaro e Haddad discutem a presidência do Brasil
9 de outubro de 2018A editora-chefe da DW Brasil, Francis França considera, em entrevista à DW África, que os brasileiros votaram, no domingo (07.10) com base em “informações falsas” disseminadas nas redes sociais e vão eleger um Presidente populista de direita, que divide a sociedade e que apresenta propostas simples para os problemas complexos que o Brasil enfrenta nesses últimos anos de crise política e económica.
Jair Bolsonaro com 46% e Fernando Haddad (PT), que obteve 29% dos votos, vão decidir a eleição presidencial brasileira no segundo turno no próximo dia 28 de outubro. De acordo com Francis França, o candidato da direita, Bolsonaro aproveita a indignação do povo brasileiro com a crise política e económica para incitar esse mesmo povo contra a corrente de esquerda. Povo, por sua vez, com tanta raiva do PT, vota de olhos fechados no projeto sem soluções concretas para os reais problemas do Brasil.
DW África: Como é que carateriza os resultados eleitorais das eleições presidenciais no Brasil?
Francis França (FF) – O resultado que nós tivemos agora na eleição no Brasil nesse domingo, já era esperado, pelas pesquisas que tínhamos. Mas não se imaginava que o candidato populista de direita fosse ganhar com uma margem assim tão grande. Ele não conseguiu chegar 50% dos votos, portanto, não conseguiu ganhar eleição na primeira volta, mas chegou a 46%. Então, ficou muito perto, enquanto durante todo o período eleitoral as pesquisas indicavam que ele oscilava entre 28 e 35 por cento. Então, nesse sentido foi uma surpresa.
Que esse candidato tenha tanto apoio, explica-se por diferentes fatores: a gente tem um fator que é um descontentamento da sociedade brasileira com o sistema político, uma dinâmica que já vem desenvolvendo-se há alguns anos, mais precisamente desde 2013 quando tivemos manifestações em massa pelas ruas do Brasil. Muita gente foi para a rua porque estava descontente com a corrupção, com os problemas económicos, problemas estruturais, mas não tinham ideias claras como resolver estes problemas. Então, desenvolveu-se no Brasil uma dinâmica muito negativa de termos que ser contra tudo que está aí e todos os políticos têm que ir para a prisão. Os políticos que têm uma caraterística mais populista aproveitaram essa dinâmica brasileira para incitar a população contra a própria classe política. Então o que nós temos? Em 2013, tínhamos os protestos, uma eleição muito acertada em 2014, tivemos 2015 de crise política e institucional muito séria, no primeiro ano de mandato de Dilma Rousseff. Em 2016, tivemos um processo de destituição da Dilma e tudo isso foi criando uma raiva na sociedade brasileira que eclode em Jair Bolsonaro. Porque essas pessoas estão contra tudo que o governo do Partido dos Trabalhadores (PT), do ex-Presidente Lula, fez. Acreditam que o ex-Presidente Lula é o maior corrupto do Brasil e que se o seu candidato vencer ele vai trazer de volta a quadrilha que assaltou os cofres públicos das empresas estatais. Responsabilizam os partidos de esquerda pela corrupção no Brasil e estão dispostos a votar em qualquer candidato que seja, mas que possa derrotar esse projeto de esquerda.
DW África: Porque é que se diz que o Populismo está a ganhar eleições no Brasil?
(FF) – Porque, Bolsonaro é um candidato que oferece soluções muito simples para problemas que, na verdade, são muito complexos e para os quais ele não conseguiu até hoje apresentar uma solução detalhada. Por exemplo, ele diz que vai resolver o problema da criminalidade autorizando que a polícia aja com mais letalidade, mais violência. Nós vamos deixar que todos os cidadãos tenham armas para poderem defender-se, ou seja, a sua política de segurança pública vai até aí. As pessoas não têm detalhes como é que ele vai acabar com problemas de segurança crónico que tem o Brasil.
Na economia é a mesma coisa. Ele tem algumas linhas gerais, mas os próprios especialistas já dizem que mesmo as melhores ideias do guru económico que ele tem, que é o senhor Paulo Guedes que deve tornar-se um super ministro no governo de Bolsonaro, elas são muito difíceis de implementar, porque ele não foi eleito ditador, mas sim Presidente. Daí vai precisar trabalhar com o Congresso e muitas dessas coisas são difíceis de implementar no Brasil.
Então, diz-se que é um governo populista porque as pessoas estavam indignadas com a situação e ele veio com essa proposta de que vamos acabar com tudo que está aí e trazer soluções novas de coisas que na verdade, para as pessoas que conheçam o processo político no Brasil, sabem que não é bem assim, não será fácil. Mas os eleitores não estavam tão preocupados em conferir se essas propostas são viáveis. Eles simplesmente querem alguém que faça algo diferente e fecharam os olhos, acreditaram nesse homem e estão indo com ele para onde for.
DW África: É por isso, que se diz que é um resultado na base de eleitor mal-informado?
(FF) – Eu imagino que sim. Nós tivemos nessa eleição de 2018 um fenómeno que foi os grupos de WhatsApp. Nas eleições passadas já tínhamos esse medo que as redes sociais fossem protagonistas do debate público. Na eleição de 2014 não foi o caso. Mas na eleição de 2018 nós vimos que a maioria das pessoas se informou através de redes sociais, principalmente através de grupos de WhatsApp e nesses grupos, segundo jornalistas e empresas que investigam as redes sociais, muita informação falsa foi disseminada. Então as pessoas tomaram as decisões na base de informações completamente equivocadas, tanto a favor dos seus candidatos, como contra os opositores. Por isso, que eu acredito que esta eleição foi baseada em desinformação. Nós tivemos pesquisas de intenção de voto que não conseguiram abarcar a dimensão que a vitória de Bolsonaro teria. Todo mundo estava equivocado nesta eleição brasileira.
DW África: A julgar por esses resultados, podemos prever que esse populismo de direita vai vencer o segundo turno, marcado para o dia 28 de outubro?
(FF) – Pelos resultados que tivemos na primeira volta, no domingo (08.10), tudo indica que sim. É claro que isso pode mudar. Alguma coisa pode mudar radicalmente nas três semanas até o segundo turno. Mas pelos número que temos agora, o Bolsonaro está muito perto de atingir os 50% e o opositor de Bolsonaro (Haddad) só ganha se herdar 100% dos votos dos candidatos derrotados na primeira volta, o que é muito difícil. Provavelmente teremos no segundo turno aumento de votos nulos e brancos e temos candidatos menores que se identificam mais com a direita, cujos votos devem migrar para Jair Bolsonaro. Então, matematicamente, ele tem chance de ser eleito.
DW África – O que podemos prever para o futuro do Brasil se se confirmar Jair Bolsonaro como Presidente ?
(FF) – É uma coisa muito difícil de se prever. O discurso de Bolsonaro é muito acirrado, um discurso que divide muito as pessoas. Mesmo que ele não assuma explicitamente este discurso, mas os seus apoiantes têm esse discurso muito acirrado. É contra a comunidade LGBT, contra mulheres, contra feministas e tivemos nesta campanha Presidencial um número de ataques a jornalistas que foi muito mais alto do que em eleições passadas. Quer dizer, os ânimos estão muito mais acirrados e as pessoas estão muito mais dispostas a usar violência. Então, esse é um risco que os brasileiros correm. Um risco de que podemos ter menos liberdade de expressão e de imprensa porque as pessoas podem ser confrontadas violentamente se exercerem esse direito. Temos um risco de redução de direito de igualdade entre homens e mulheres, risco de perda de direitos para as pessoas mais pobres, para direitos trabalhistas (o próprio candidato já disse em entrevista que as pessoas têm que escolher se querem emprego ou direito), então está a dizer de antemão que está disposto a cortar direitos dessas pessoas.
E devemos ter um governo muito mais liberal devido às caraterísticas do super ministro de Bolsonaro, Paulo Guedes, que já disse que pretende privatizar muita coisa no Brasil, pretende flexibilizar a lei de trabalho, então vamos ter um Brasil… bem diferente do que temos em 2018.