Cabo Delgado: A Tanzânia quer "uma fatia do bolo" do gás?
12 de janeiro de 2021O Presidente de Moçambique foi esta semana a Tanzânia procurar, com o seu homólogo, soluções para enfrentar um inimigo comum: o terrorismo.
"A Tanzânia está a dizer que prefere morrer connosco, não há outra alternativa. Foi isso que nós ouvimos [na visita] e isso nos encoraja", disse Filipe Nyusi depois do encontro com John Magufuli.
Contudo, a atuação deste ator, considerado absolutamente incontornável, é questionada, tanto no caso do apoio aos refugiados como no combate aos terroristas.
Será desta que Moçambique poderá, de facto, contar com o seu vizinho para viver em paz no norte?
O especialista em resolução de conflitos e políticas públicas Rufino Sitoe acredita que sim, "porque é uma cooperação projetada a partir do topo, o compromisso é maior quando é um Presidente a comprometer-se com outro".
Sitoe explica: "Penso que pode haver ações mais enérgicas nesse sentido. É possível que consigamos ganhos estratégicos importantes na contra-insurgência com esta cooperação, é uma das cooperações mais importantes ao nível da contra-insurgência, para cortar a movimentação deste grupo, ao nível de logística, porque está provado que é por terra e por mar [que chega o seu material]".
A mágoa da Tanzânia por causa dos investimentos do gás
Contudo, analistas desconfiam que o outrora considerado melhor vizinho de Moçambique prefere fechar os olhos e cruzar os braços no caso do terrorismo em Cabo Delgado por cobiça dos investimentos bilionários feitos na casa do vizinho Moçambique.
A ausência de Magufuli na tomada de posse de Filipe Nyusi denota alguma crispação, segundo a leitura de alguns setores.
O especialista em assuntos africanos Fernando Cardoso sublinha que "o Governo tanzaniano não está a fazer guerra a Moçambique, mas desde meados desta década está pouco contente com a questão do gás. Por outras palavras, a Tanzânia gostaria de ter sido objeto de investimentos que estão a ser feitos em Moçambique".
O académico português esclarece que "as multinacionais decidiram investir em Moçambique, porque é economicamente mais viável. Porque, no offshore, o fundamental das reservas de gás está em Moçambique, [apesar de ser] verdade que há bolsas de gás que entram no offshore em frente a Tanzânia. Então, o que se passa é que existe um mau relacionamento entre Moçambique e Tanzânia."
É preciso garantir o "conforto" da Tanzânia
Estará já o assunto a ser debatido entre Maputo e Dar-es-Salam? Não se sabe. Mas é um caso que, por enquanto, parece estar longe de ser tema dos comunicados da Presidência moçambicana.
Contudo, o especialista português defende que a solução passa por negociações com vista a dar a "fatia de bolo" que a Tanzânia supostamente quer.
"E como sabemos que as fronteiras são porosas e que também existem jihadistas no sul da Tanzânia, que operam contra os interesses e vontade do Governo da Tanzânia, é absolutamente fundamental que os dois governos, com o apoio de corporações multinacionais e de outros governos, se sentem e procurem chegar a uma situação em que a Tanzânia se sinta confortável com uma solução para aquilo que eles consideram também ser um interesse ou direito deles."
Se isso não acontecer, "vamos ver este conflito a aparecer e a desaparecer, a perpetuar-se naquelas zonas", alerta o académico.
Ajuda verdadeira da Tanzânia só mediante benefícios?
Daí a questão: se a Tanzânia não se beneficiar do investimento do gás moçambicano, considerado o maior de África no campo privado, vai cooperar genuinamente com Moçambique?
Rufino Sitoe, especialista em resolução de conflitos e políticas públicas, começa por lembrar que "os estados defendem os seus interesses, esse é o princípio das relações internacionais. Entre estados não há amigos nem inimigos, há interesses".
O analista argumenta ainda que, "se a Tanzânia consegue alcançar os seus interesses com esses atos, que podemos considerar de sabotagem aos projetos de exploração, obviamente que vai ter mais dificuldades de cooperar com Moçambique."
"Se for a tirar benefício, claro. Se a continuidade de violência gerar alguma negociação que favoreça a Tanzânia, obviamente que não vai estar interessado em colaborar com Moçambique", comenta Sitoe.