Cabo Delgado: Analista questiona formação militar da UE
5 de outubro de 2021Nesta terça-feira (05.10.), o especialista militar sul-africano Abel Esterhuyse, numa entrevista à agência Lusa, disse o seguinte: "Julgo que nesta altura toda a ajuda é bem-vinda e não há dúvida de que poderão dar um contributo credível, mas a questão, mais uma vez, é saber para que estão a preparar as forças moçambicanas".
"Talvez esteja enganado, mas não tenho a certeza que exista um entendimento claro, mesmo por parte dos europeus, sobre qual é precisamente o problema que enfrentam em Cabo Delgado", referiu o analista.
O académico, responsável pelo departamento de Estudos Estratégicos da Faculdade de Ciência Militar da Universidade de Stellenbosch, no Cabo, acrescentou: "E este é um grande problema. Esta é talvez a questão estratégica mais importante para as forças e para todos os atores envolvidos".
O indispensável papel da África do Sul
Na ótica do analista militar, a África do Sul é um dos países que está "inexplicavelmente" próximo do que vai acontecer em Cabo Delgado nos "próximos anos".
"Julgo que o mais importante é que a África do Sul está profundamente interligada com os problemas em Cabo Delgado e especificamente com o problema do crime e do narcotráfico de drogas e drogas pesadas", frisou.
De acordo com Abel Esterhuyse, a África do Sul encontra-se em situação "muito difícil" neste contexto, salientando que o país vizinho a Moçambique "não se pode se dar ao luxo de não se envolver" em Cabo Delgado.
"Essa é uma realidade que a África do Sul enfrenta. A outra realidade que a África do Sul enfrenta é que, se se envolver em Cabo Delgado, será por muito tempo", antecipou o analista sul-africano.
"Acabamos de ver a retirada dos EUA [Estados Unidos da América] após 20 anos no Afeganistão e não estou totalmente convencido se a África do Sul está de todo ciente que o compromisso que enfrenta em Cabo Delgado é para ser, e será, um compromisso de longo prazo que provavelmente irá durar entre 10 a 15 anos", apontou.
Soluções de longo prazo
Para Abel Esterhuyse, a intervenção em Moçambique "vai requerer muitos recursos".
"Não estamos perante uma solução de tipo intervenção e retirada rápida", concluiu o analista sul-africano.
Os ministros dos Negócios Estrangeiros da UE aprovaram, em julho, a constituição de uma missão de formação militar em Moçambique para "treinar e apoiar as Forças Armadas moçambicanas" no "restabelecimento da segurança" em Cabo Delgado.
A missão visa treinar as companhias de forças especiais moçambicanas para desenvolverem uma força de reação rápida.
Desde julho, uma ofensiva das tropas governamentais moçambicanas com o apoio do Ruanda, a que se juntou depois a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), permitiu aumentar a segurança, recuperando várias zonas de Cabo Delgado onde havia rebeldes, nomeadamente a vila de Mocímboa da Praia, que estava ocupada desde agosto de 2020.
A província de Cabo Delgado é rica em gás natural, mas aterrorizada por rebeldes armados, sendo alguns ataques reclamados pelo grupo extremista Estado Islâmico.
O conflito já provocou mais de 3.100 mortes, segundo o projeto de registo de conflitos ACLED, e mais de 817 mil deslocados, segundo as autoridades moçambicanas.