"Ataques podem encarecer extração de gás para o Estado"
26 de março de 2021O ataque à vila de Palma na última quarta-feira (24.03) aumentou os receios sobre a audácia dos terroristas na província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique. A investida levou também a incertezas sobre as condições para o restabelecimento dos projetos da indústria extrativa na região. Os Estados Unidos e a União Europeia condenaram os ataques, que ocorreram próximo ao sítio de operação da empresa Total. A petrolífera francesa já tinha anunciado que reiniciaria as suas operações em Palma em abril.
Em entrevista à DW África, Borges Nhamire, do Centro de Integridade Pública (CIP), não acredita que a empresa pare de operar na região. O investigador vê, no entanto, que um dos cenários possíveis seria os investidores contratarem empresas militares privadas para garantir a segurança na exploração de gás na região.
DW África: Qual é o efeito provável deste ataque para os projetos na região?
Borges Nhamire (BN): Nos termos do acordo recente que a Total como operadora da Área 1 estabeleceu com o Governo de Moçambique, há uma cláusula que atribui ao Governo a garantia da segurança num perímetro de 25 quilómetros da área de concessão. Este ataque na vila de Palma ocorreu a menos de 25 quilómetros, o local está a 10 quilómetros numa linha reta. Isso mostra que não há segurança dentro da área acordada. Depende da decisão das partes, mas isto pode levar a Total a recuar no reinício das atividades.
DW África: Com estes ataques, acredita que os investidores poderão suspender todas as atividades no terreno ou mesmo abandonar a zona?
BN: Eu penso que nunca houve na história recente um caso de se deixar de operar na exploração de gás ou petróleo por causa de insegurança dessa natureza. Eu não acredito. Os operadores já gastaram pelo menos 5 biliões de dólares [4,24 biliões de euros] no que já foi feito até aqui. A ideia de se abandonar o projeto é a última, é quase nula. O que vai acontecer é que o projeto vai ficar muito mais caro para o Estado, reduzindo as receitas que o estado esperava obter. Porque os custos de segurança são irrecuperáveis. Tudo aquilo que os operadores vierem a gastar para garantir a segurança numa zona de conflito, e que não estavam previstos antes, depois, será debitado nas receitas que deveriam ser canalizadas para o Estado.
DW África: Esta insegurança e incerteza poderá também minar o relacionamento entre as empresas que estão a investir e a comunidade local.
BN: As empresas locais não têm grande capacidade de participar no investimento, mas participam na prestação de serviços. Isto inclui-se também para a mão de obra local, que não tem formação para trabalhar no projeto em andamento, mas tem preparo para trabalhar, por exemplo, durante a fase de construção. O problema do conflito na região é que vai afastar as pessoas. Por exemplo, os nativos daquela área dispersaram-se, agora são deslocados. Então, não têm como se beneficiar do trabalho lá. Mas também os operadores vão passar a olhar com muita desconfiança para a população local e para o recrutamento, porque não se sabe quem é insurgente e quem não é. Em princípio, isto afasta a mão de obra local, que está envolvida no conflito de alguma forma. Isto é muito mais prejudicial, significa que o projeto não terá o efeito multiplicador tanto no âmbito das empresas locais como no uso de mão de obra local, pelo menos nos termos que estavam previstos inicialmente.
DW África: Como estas empresas poderão retomar as suas atividades em segurança em Palma?
BN: Eu penso que aqui é uma questão de quando é que vão reiniciar. Muito naturalmente não vão reiniciar em abril como era previsto. Depois, é uma questão de quem estará a garantir a segurança para o reinício das atividades. O primeiro cenário mais provável é que se traga empresas militares privadas para proteger a área e permitir que se reinicie as atividades. O segundo cenário é que se dê mais um voto de confiança às Forças de Defesa e Segurança de Moçambique - contando com o treinamento que vão receber, tanto dos EUA como também da União Europeia através de Portugal - para reiniciar a atividade.