Cabo Delgado: Forças estrangeiras "numa pátria sem dono"
11 de janeiro de 2023O principal partido de oposição moçambicana acusa o Presidente da República, Filipe Nyusi, de ter perdido o controlo da situação em Cabo Delgado, deixando a soberania do país nas mãos das forças estrangeiras que combatem o terrorismo na província nortenha.
Em entrevista à DW África, o porta-voz da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), José Manteigas, diz ter ficado chocado com as imagens que circulam nas redes sociais, que mostram alegadamente tropas estrangeiras a queimar corpos de supostos terroristas numa fogueira.
Para o porta-voz, esses crimes acontecem porque "as [tropas estrangeiras] estão a se sentir numa terra sem dono. E já nos retiraram a soberania". José Manteigas acrescenta que, no combate ao terrorismo em Cabo Delgado, o chefe de Estado moçambicano não parece ser mais do que "um ajudante de campo" do seu homólogo ruandês, Paul Kagame.
DW África: Como reage a RENAMO aos vídeos que circulam nas redes sociais de supostos terroristas queimados alegadamente por militares estrangeiros em Cabo Delgado?
José Manteigas (JM): O nosso primeiro pronunciamento é de repúdio e lamentação. Acima de tudo, é de muita indignação. Nós, como partido, somos contra qualquer tipo de violência. Não podemos ficar impávidos perante uma violência tão cruel como esta.
Por outro lado, começamos a ficar intrigados sobre quem está a praticar a maior crueldade e a matar mais em Cabo Delgado? Serão os terroristas ou as forças que "legalmente" [os combatem]. Digo "legalmente" entre aspas porque o Presidente da República, Filipe Nyusi, contratou a presença da Missão Militar da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral em Moçambique (SAMIM) e das forças ruandesas à revelia da Assembleia da República e dos moçambicanos. E nós condenamos isso, justamente porque receávamos essas atitudes descontroladas de forças que estão no país, que ninguém sabe como entraram e quais são os acordos que foram celebrados para a sua presença em Moçambique.
DW África: A comprovar-se a autenticidade destas imagens de Cabo Delgado, estaríamos aqui perante crimes de guerra?
JM: Claramente. E os terroristas estão a atuar no mesmo 'modus operandi': a esquartejar e decapitar pessoas. Atirar cadáveres ao fogo não foge a este método dos terroristas. Isto cria uma situação de medo, de grande insegurança, e sobretudo de grande desconfiança em relação a qualquer força que esteja a operar naquele teatro.
DW África: Mas o que pode explicar militares a cometer este tipo de atrocidades?
JM: Eles estão a sentir-se como se estivessem numa pátria sem dono. As Forças de Defesa e Segurança moçambicanas não estão no comando. Eles já nos retiraram a soberania. Aliás, lembre-se que, há uns tempos, quem trazia informações relevantes sobre o terrorismo em Cabo Delgado era o Ruanda, na pessoa do seu Presidente, Paul Kagame, sob o olhar impávido e de pequenez de Moçambique e do seu Presidente. Moçambique nem sequer tem o poder de comandar essas forças.
DW África: Sendo assim, a RENAMO acha que era momento para o chefe do Estado, como comandante em chefe, poder ter algum controlo de todos os militares que estão a atuar em Cabo Delgado?
JM: Ele próprio deixou-se manietar. Houve um incidente que chocou o país em que o Presidente do Ruanda, Paul Kagame, estava a passar por um tapete vermelho e o próprio Presidente de Moçambique estava ali como um "ajudante do campo" de Kagame. Portanto, se o próprio chefe de Estado se tornou tão pequeno perante o seu povo e o seu Estado em relação às forças estrangeiras, é uma situação de difícil controlo.
DW África: E como é que se remedia isso?
JM: O chefe de Estado deve redimir-se e deve colocar essa questão do terrorismo como um debate nacional, porque o que parece até aqui é que o Presidente da República, Filipe Nyusi, está a privatizar o [combate ao] terrorismo em Cabo Delgado.