"Lado político parece estar a prejudicar o humanitário"
1 de abril de 2021Mais de uma semana depois do ataque armado ocorrido na vila de Palma, a norte de Moçambique, o ambiente na região é de instabilidade e os gritos de chamada de atenção para a situação humanitária em Cabo Delgado intensificam-se por parte de várias organizações internacionais.
Milhares de sobreviventes, aterrorizados pela tomada da vila pelos insurgentes, procuram refúgio seguro e carregam com eles apenas as roupas que têm no corpo e um futuro incerto. Avançam em direção às matas, chegam aos distritos de Nangade, Mueda, Montepuez mas sobretudo a Pemba.
A sobrelotação da capital provincial de Cabo Delgado e a falta de condições humanitárias para acolher milhares de deslocados inquieta Zenaida Machado, investigadora da organização Human Right Watch (HRW).
"A cidade de Pemba está sobrelotada, tem duas vezes mais o número de habitantes que tinha antes. Os residentes vão ter de desdobrar-se para acomodar as pessoas que estão a vir dos distritos. A situação agora vai ser muito pior. Estava a conversar com um residente de Pemba se tinha ele, ou não, condições para acomodar mais pessoas que estava à espera que chegassem de Palma. Ele dizia ‘onde come um, comem dois'. As coisas parecem simples, mas são uma sobrecarga humanitária muito grande", alerta.
A cidade não tem infraestruturas
Em Pemba, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, o número de deslocados atingia já os 43 mil, mesmo antes do último ataque.
Pedro Neto, diretor-executivo da Amnistia Internacional Portugal, partilha dessa preocupação e, mais do que nunca, alerta para a necessidade de se unir esforços para fazer frente a esses desafios.
"A cidade (de Pemba) não tem infraestruturas para acolher tantas pessoas. Nem infraestruturas de saúde, nem escolas, nem bens alimentares que permitam socorrer estas pessoas. Esse é um risco sério e por isso também a importância de uma ajuda humanitária urgente e que seja eficaz, que proteja a todas as pessoas".
Pedro Neto salienta também que é primordial responsabilizar aqueles que cometem abusos dos direitos humanos para que se restabeleça a paz, segurança e estabilidade.
Questões políticas não devem ser entrave
Zenaida Machado lembra que Moçambique é um país em crise financeira e sem capacidade para gerir a crise humanitária sem ajuda externa. Por isso, lamenta que questões políticas sejam um impedimento neste processo.
"Há um lado político que parece estar a prejudicar este lado humanitário. Por exemplo, sabemos que há organizações bem conhecidas mundialmente que estão preparadas para vir a Moçambique ajudar e não o fizeram porque não têm vistos. As suas equipas estão à espera de vistos humanitários para chegarem a Moçambique e ajudar", explica.
A investigadora espera que situações passadas, como o caso de Mocímboa da Praia, sirvam de exemplo para que o país repense a forma como gere o conflito. "É preciso que internamente se comece a pensar em criar corredores humanitários para fazer chegar ajuda a locais onde o acesso é difícil. É também necessário que o governo priorize tirar as pessoas das zonas de risco".
Zenaida Machado sublinha ainda que "o Governo moçambicano tem obrigações e uma delas é providenciar segurança. Mas também a responsabilidade de providenciar abrigo, comida, cuidados de saúde. É preciso que o Governo rapidamente se prepare para ajudar essas pessoas e cumprir as suas obrigações".
As Nações Unidas já registaram pelo menos 5.300 deslocados causados pelos ataques armados em Palma. Desde domingo que diversas embarcações têm transportado pessoas para outras regiões mas também meios aéreos e terrestres têm sido utilizados para a retirada das populações da vila de Palma ainda não totalmente controlada pelo exército moçambicano.