Indecisão de Moçambique atrasa uma intervenção da SADC?
28 de maio de 2021Em Moçambique, ainda está tudo em aberto quanto a uma potencial intervenção da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) em Cabo Delgado. A cimeira daTroika de chefes de Estado SADC, realizada na quinta-feira (27.05), em Maputo, terminou sem uma posição formal do bloco sobre o apoio a dar a Moçambique para o combate ao terrorismo em Cabo Delgado.
Mohamed Yassine, professor de Relações Internacionais da Universidade Joaquim Chissano, em Maputo, entende que esta falta de posição formal da SADC tem a ver com a indecisão de Moçambique, sobre o tipo de apoio que precisa naquela província.
Por outro lado, a falta de um posicionamento formal da Tanzânia e Angola sobre o terrorismo no norte de Moçambique pode estar a complicar as discussões da Troika da SADC, observa Yassine, que também aponta interesses económicos como sendo uma das equações que deve estar em cima da mesa dos líderes da SADC.
DW África: O que deve estar a imperar para que a SADC tome uma decisão definitiva sobre o apoio a dar a Moçambique para o combate ao terrorismo em Cabo Delgado?
Mohamed Yassine (MY): Primeiro a contínua cautela de Maputo em anuir as posições saídas daquela análise da pesquisa pelos especialistas da SADC, e por outro lado os encontros bilaterais que o Governo moçambicano tem vindo a realizar com alguns países com o objetivo de resolver este conflito de Cabo Delgado. Mas, Moçambique por ser membro da SADC, tem a obrigação de anuir as decisões que são tomadas pelo bloco. Entretanto, penso que o país, ao adiar as decisões fundamentais para uma intervenção no terreno, deve ter uma carta na manga.
DW África: Que carta na manga deve ter, fazendo com que até hoje o país não seja concreto sobre o tipo de apoio que precisa dos seus pares da SADC?
MY: Acho que o Governo moçambicano evita de todas as formas para que haja uma intervenção no terreno dos seus amigos mais próximos. E opta por outros, como é o caso de Portugal e os Estados Unidos da América, que já estiveram a treinar militares moçambicanos. Mas, a realidade mostra que o exército moçambicano continua mais fraco em termos logísticos e com armamento não adequado para aquele tipo de conflito. E mais ainda, até agora a inteligência moçambicana não conseguiu dizer que grupo de terroristas se trata.
DW África: Que riscos Moçambique poderá ter se continuar indeciso sobre o tipo de apoio que precisa da SADC?
MY: Moçambique está orgulhosamente sozinho nas decisões que está a tomar. E esperamos que não tenha um impacto a longo prazo, porque imaginemos que África do Sul se canse desta indecisão e decida mostra-se indisponível a ajudar o vizinho e se concentre apenas na defesa das suas fronteiras. Aí, teremos um colapso sob ponto de vista regional.
DW África: A decisão sul-africana já é clara sobre o tipo de intervenção em Moçambique, contrariamente à posição das autoridades nacionais. Este adiamento seria uma tentativa de primeiro encontrar consensos entre os dois Estados?
MY: Penso que a SADC só não se pode cansar de Moçambique, porque se trata de um bloco. Mas, se for a analisar a posição manifestada ontem (27.05) pelo Presidente do Botswana, Mokgweetsi Masisi, ficou claro que a questão dos ataques armados em Cabo Delgado é fundamental para a SADC e exige uma intervenção coletiva. Mas, a posição moçambicana contraria todos os outros países membros. Ora, na mesma semana o Governo de Maputo estava a se desdobrar em demarches com o Ruanda para a intervenção no norte do país.
Por outro lado, Moçambique procura saber qual é a posição formal da Tanzânia nesta questão dos ataques terroristas em Cabo Delgado e se Angola irá também entrar no jogo ou não. Porque, como pode depreender, Angola não faz muitos pronunciamentos públicos sobre este assunto.
Moçambique pode tomar uma posição melhor. Pode não anuir com as recomendações da equipa de peritos de SADC de enviar uma força de mais de 3 mil homens para Cabo Delgado, mas permitir que a SADC tenha uma força tampão naquela província, mesmo que não tenha que participar das confrontações.
DW África: Mas aí, o chefe do Estado Moçambique, Filipe Nyusi, já disse que não quer "saladas" em Cabo Delgado...
MY: A "salada" já foi criada pelo próprio Presidente. Quando permitiu que entrassem mercenários num conflito percebido como social, o Presidente retirou o Estado da sua responsabilidade formal de proteger os cidadãos e entregou esta tarefa aos mercenários.
DW África: A ida do Presidente Nyusi ao Ruanda para tratar do assunto de Cabo Delgado, numa altura em que ainda não há uma posição definitiva na SADC, não pode ter criado um desconforto no bloco?
MY: É preciso dizer que Moçambique tem dificuldades de interpretar a política internacional. E o respeito pelas decisões do bloco deveria ser fundamental para as decisões que o Presidente da República pode tomar fora da SADC. Sou da opinião que primeiro Moçambique deveria ter-se reunido com a SADC para que se posicionasse, antes de ir ao Ruanda.
DW África: Parece haver uma certa desconfiança entre os amigos da SADC. O que é que pode estar por detrás disso?
MY: Os Estados são amigos, mas são guiados por interesses. Os blocos regionais continuam a ter os seus interesses individuais em detrimento do coletivo. Enquanto Moçambique desenvolve um projeto de gás em Cabo Delgado, a Tanzânia, do outro lado da fronteira, também desenvolve um projeto de gás. Isso significa que a Tanzânia pode até ter interesses se Moçambique não conseguir resolver o seu problema.
Por outro lado, enquanto é importante que África do Sul continue como uma potência hegemónica regional, Moçambique também entende tem interesses no setor do gás. Então, há interesses que impedem o Governo moçambicano de tomar uma posição logo a priori.
Mas também é preciso compreender que não há uma ajuda que não vem com o custo. E aí, ainda não está claro sobre o que cada país exige como contrapartida para uma intervenção em Cabo Delgado. E a outra questão é saber quem irá pagar as intervenções que forem feitas em Cabo Delgado, sabendo que muitos destes países vivem de ajuda externa.