Cabo Delgado: Receitas do gás devem diminuir após ataques
6 de julho de 2020Os ataques armados em Cabo Delgado, no norte de Moçambique, continuam a fazer mortes. As vítimas mais recentes são oito trabalhadores da Fenix Construction, uma empresa de construção subcontratada que opera no megaprojeto de gás na região, que sofreram um ataque a 27 de junho.
Três funcionários, que conseguiram escapar ao ataque, continuam desaparecidos. O que poderá representar para o setor do gás a morte destes trabalhadores? O afastamento de investidores poderá ser uma das consequências? Foi o que a DW África perguntou a Inocência Mapisse. A investigadora do Centro de Integridade Pública de Moçambique (CIP) pede mais transparência e rigor ao Governo no controlo das empresas que operam no setor do gás, para evitar perdas maiores para o país.
DW África: O que pode representar para o setor do gás a perda destes trabalhadores? Poderá haver um afastamento de investidores?
Inocência Mapisse (IM): Para o país no geral, a perda de vidas humanas em si é algo que lamentar. Agora, olhando para o setor do gás, os ataques aos trabalhadores de empresas relacionadas com projetos de gás terá, sem dúvida, um impacto direto no custo operacional destes projetos. O que vai acontecer aqui é que as empresas irão reforçar o seu sistema de segurança. Mais do que a segurança que foi exigida ou recomendada por parte das empresas ao Governo, que é a segurança militar, as empresas por si só irão reforçar a sua componente de segurança individual de cada uma. E este custo com certeza será repassado para as empresas do gás, porque trata-se aqui de uma empresa que lida com a empresa do gás, [embora] não diretamente ao nível da exploração. Mas no final do dia são custos que irão impactar na redução da matéria tributada. O que significa que as projeções das receitas que foram inicialmente feitas poderão sofrer um decréscimo.
Num contexto de guerra ou num contexto de ataques, há muito pouco espaço para fiscalização e monitoria. Isto abre espaço para que as empresas possam inflacionar esses mesmos custos. Não se sabe quais são as empresas que estão a ser contratadas para fazer essa mesma segurança, não se sabe quais são os termos de referência que estão a ser usados. Portanto, há todo um espaço para que as mesmas empresas do setor petrolífero inflacionem os custos. E inflacionando os custos, isso terá um impacto negativo nas receitas a serem arrecadadas pelo Estado.
DW África: Estamos a falar de um setor que, além dos ataques armados, também está a ser vítima da pandemia de Covid-19 e da queda do preço do petróleo. O que é preciso mudar neste setor?
IM: São acontecimentos que estão todos interligados - pelo menos estes dois últimos que é a queda do preço do petróleo e o impacto da pandemia de Covid-19. Este setor, sem sombra de dúvida, está a ser um dos mais afetados. E o que se pode fazer de momento é primar pela transparência, pelo menos do lado do Governo, e rigor no controlo destas mesmas empresas para evitar que as perdas sejam substanciais. Porque, efetivamente, esta situação toda irá impor um maior desafio ao país na captação de receitas e depois no repasse dessas receitas para financiar outros setores da economia e, assim, alavancar o desenvolvimento do nosso país. Mas é necessário que, neste momento, o Governo prime pela transparência e rigor na análise técnica para garantir que todo o valor, todo o relatório que é apresentado por essas mesmas empresas, sejam fidedignos.
DW África: Na semana passada, numa visita a Moçambique, a petrolífera francesa Total disse que estava convicta da execução segura do projeto de exploração de gás em Cabo Delgado e disse que o Governo está a trabalhar muito bem para criar, dentro do possível, as melhores condições para executarem este trabalho. O CIP concorda?
IM: A nossa expectativa é que o Governo esteja a trabalhar muito bem para gerir esta situação. Mas o que nós queremos, neste momento, são evidências de que este trabalho está a ser bem feito. E nada melhor do que um relatório para provar o que é que efetivamente o Governo está a fazer para garantir que as operações continuem e que continuem num contexto em que o país também se possa beneficiar.
DW África: Já que falou em transparência, hoje (06.07) o jornal @Verdade trouxe a público que o presidente da petrolífera francesa Total para a área de exploração e produção, Arnaud Breuillac, violou o estado de emergência ao entrar em Moçambique porque não cumpriu, como está na lei, o regime de quarentena obrigatório para quem chega ao país. Que mensagem passa este episódio? O Governo moçambicano tem dois pesos e duas medidas?
IM: Isto é uma situação bastante delicada que passa, na verdade, do meu ponto de vista, a mensagem de que o Governo moçambicano neste momento não tem o poder suficiente para lidar com as grandes empresas do setor do gás e do setor mineiro em Moçambique. E isto chama a atenção para vários outros assuntos. Se num assunto destes, que é de muito fácil controlo de monitoria, nem se consegue lidar com a situação da quarentena obrigatória, imaginemos em casos mais críticos como a questão de controlo de custos ou a questão do controlo de transferência de preços pelo facto de as empresas estarem a lidar [diretamente] entre elas mesmas. Imaginemos, nestes casos, como é que vai ficar a governação do setor?