Moçambique: "Mentira do chefe de Estado não durou 24 horas"
20 de dezembro de 2021Em entrevista à DW África em reação ao relatório norte-americano que considera Moçambique como um "porto seguro para terroristas", político da RENAMO e professor de relações internacionais e ciências políticas, Manuel de Araújo, diz concordar plenamente com o documento.
O edil de Quelimane considera que as "vitórias" contra o terrorismo em Cabo Delgado apresentadas por Filipe Nyusi foram desmentidas, não só pelo relatório americano, assim como pelos avanços dos ataques para a província do Niassa.
O académico também tece fortes críticas ao Governo, defendendo a sua "retirada" e considerando-o "incapaz".
O Departamento de Estado dos EUA diz no seu relatório lançado na passada quinta-feira (16.12), que Moçambique não tem um plano de ação nacional de combate contra o extremismo violento.
O relatório foi tornado público menos de 24 horas depois do estadista moçambicano Filipe Nyusi ter apresentado no Parlamento moçambicano o informe da nação, no qual falou dos avanços no combate ao terrorismo no país.
DW África: Concorda com a ideia de que Moçambique é um terreno fértil para os grupos terroristas planearem as suas atividades, conforme diz o relatório Departamento de Estado dos EUA?
Manuel de Araújo (MA): Concordo plenamente. Até diria que esse relatório peca por ser tardio porque nós temos vindo a afirmar de forma insistente que falta uma política de defesa de Moçambique. Nós temos um Governo que parece não ter uma bússola. Temos um Estado que parece estar à devira. E, pior do que isso, temos um chefe de Estado quem sempre que pisca à direita, ele vira à esquerda. E sempre que pisca à esquerda, vira à direita. E nós que estamos no terreno temos vindo a alertar, temos vindo a chamar a atenção sobre essas situações, mas que quem de direito faz ouvidos de mercador.
DW África: O relatório norte-americano foi lançado numa altura em que o Presidente da República acabava de dar um informe à Assembleia da República, no qual falava dos avanços que as Forças de Defesa têm estado a ter no combate ao terrorismo em Cabo Delgado. Na sua visão, o que podem representar esses dados apresentados no relatório norte-americano?
MA: Costuma-se dizer que as mentiras têm pernas curtas. Portanto, a mentira do chefe de Estado não durou 24 horas. Foi desmentida quer pelos Estados Unidos, quer pelo avanço dos terroristas ao abrirem uma nova frente no Niassa. Portanto, precisamos de mais desmentidos. A realidade no terreno mostra "por A mais B" que aquilo o que o chefe de Estado diz está muito longe da verdade. Aliás, é o contrário da verdade. Moçambique, de facto, tornou-se um terreno fértil, um terreno adubado para a implantação de grupos terroristas. Porque? Porque o Estado é fraco, o Estado é inexistente - no sentido de que não se faz sentir nas zonas onde deveria fazer-se sentir e, quando lá chega, a única "cara" do Estado, o único contato que o cidadão tem com o Estado é através da violência armada, através da polícia que não respeita os direitos humanos, uma polícia que não respeita a lei. É essa a visão que a população tem da própria polícia. O resultado é que, se aparecer qualquer alternativa, seja ela terrorista ou não, ganha terreno e ganha espaço.
DW África: E como reverter essa situação?
MA: Não vejo outra hipótese senão a retirada deste Governo porque é manifestamente incapaz. Do ponto de vista económico, criou as dívidas ocultas, endividou o país. O rácio das dívidas, em Moçambique, é insustentável. Do ponto de vista político, viola a Constituição, não respeita as leis do país e "frelimiza" as instituições do Estado. Do ponto de vista social, está a criar conflitos sociais em todas as áreas. Não sabe promover o emprego e não tem uma estratégia de desenvolvimento. É, a toda medida, um Governo falhado.
DW África: O recurso a tropas estrangeiras, é ou não é uma mais valia para os esforços de combate ao terrorismo no país?
MA: Esta coisa de usar forças estrangeiras para defender a soberania do país acaba sempre numa situação como aquela que nós vivemos no Afeganistão. Mais dia menos dia, quando as forças estrangeiras saírem do território vai ser o colapso total. A única saída aqui é a mudança do regime político, a formação de Forças Armadas e duma Polícia republicanas e apartidárias que possam, de facto, defender a soberania do país. Nós temos jovens brilhantes que podem defender esta pátria. O que falta é a logística, a disciplina, a liderança e a visão política.