Cabo Delgado: "É preciso uma estratégia agrária mais ampla"
23 de junho de 2021O pesquisador Carlos Muianga, do Instituto de Estudos Sociais e Económicos de Moçambique (IESE), defende que melhorar as políticas de desenvolvimento rural é uma das "estratégias" para reduzir o recrutamento de jovens para as fileiras de terroristas no norte de Moçambique.
Em entrevista à DW África, Muianga realça que a pobreza e a falta de alternativas para o desenvolvimento juvenil no norte do país pode estar a ser usada pelos terroristas para aliciar os jovens, para isso "é preciso uma transformação agrária".
DW África: O que significaria uma transformação agrária no norte de Moçambique?
Carlos Muianga: Quando falo de transformação agrária é no sentido de pensar na transformação do meio rural, incluindo-se as dinâmicas políticas, económicas e sociais como forma de travar a evolução do conflito. Usar-se as dinâmicas de desigualdades, pobreza e desemprego no meio rural para recrutar, por exemplo, mais jovens que estejam interessados, de alguma forma, em mudar o seu nível de rendimento, e que geralmente entram no conflito. Seria nesta perspetiva. É preciso entender isso para melhor lidar com o avanço ou com as próprias dinâmicas do conflito, pois os grupos [armados] acabam usando estes tipos de fragilidades no meio rural para ganhar mais relevância e apoio.
DW África: Como é que esta transformação seria feita?
CM: Há vários elementos de transformação. Primeiro, é [preciso] observar que tipo de produção nós queremos e que é capaz de melhorar o bem-estar da população. Neste caso, se queremos um tipo de produção que é capaz de gerar emprego, mas não apenas. Que sejam empregos dignos e ajudem as pessoas a melhorarem as suas condições de vida. É preciso ter uma estratégia agrária mais ampla e que foque nas questões fundamentais que incluem não apenas a agricultura, mas outros tipos de atividades económicas, como a própria indústria no meio rural.
DW África: Seria necessária a redistribuição de riqueza?
CM: É exatamente isso. A redistribuição da riqueza não no sentido de pegar os dinheiros que os grandes projetos geram e distribuí-los para a população. Mas é a distribuição da riqueza no sentido de investimento produtivo a nível da economia rural. Usar-se os ganhos dos grandes projetos para redistribuir, por vias de investimentos, a produção agrícola. Por exemplo, por via de investimentos em infraestruturas sociais e económicas no meio rural.
DW África: Seria esta transformação uma forma de reduzir as assimetrias regionais, que podem estar por detrás da facilidade com que os jovens são aliciados a se juntarem aos grupos terroristas?
CM: Certamente isso, mas também é preciso pensar nos mecanismos de produção existentes no meio rural. Não falo apenas da pequena produção agrícola, mas os grandes projetos de investimentos, tanto em recursos minerais como na própria agricultura; e o tipo de conflito, problemas e a maneira como estes projetos operam.