Campanha quer acabar com excisão feminina em uma geração
31 de outubro de 2014Publicidade
O secretário geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, lançou nesta quinta-feira (30.10) uma campanha mundial para pôr fim à mutilação genital feminina no período de uma geração. A ação é realizada em parceria com o jornal britânico Guardian e quer combater a prática que afeta milhões de mulheres no mundo, especialmente no Oriente Médio e na África.
Na Guiné-Bissau, que há mais de três anos aprovou uma lei que proíbe o ritual, ele ainda é considerado obrigatório por boa parte dos muçulmanos e continua a ocorrer. Até agora, apenas 13 procedimentos criminais foram abertos e resultaram em quatro condenações, mas ninguém cumpriu a pena. O diretor do Centro de Acesso à Justiça, Juliano Fernandes relata que o fanado, como é chamado no país, deixou de ser celebrado publicamente e passou para a clandestinidade. Segundo ele, o poder público não consegue fazer valer a lei.
"As autoridades não têm mecanismos que lhes permitam adquirir a notícia de todos os factos praticados em toda a extensão do território nacional. E, depois, a própria população inserida nas comunidades não colabora. Mesmo quando a noticia chega, na maior parte das vezes a sua perseguição efetiva no terreno não é eficaz", revela Fernandes.
Anuência da população
A falta de denúncias indica que, embora venha do Parlamento, o texto passou sem a concordância de uma parcela significativa da população. Nhina Sissé, que à época ocupava um assento na Assembleia Nacional, pondera que a sensibilização foi suficiente apenas para que o país tivesse a legislação: "Na altura fizemos a sensibilização para ter uma lei. Mas a sensibilização não era suficiente, e até agora a comunidade está mesmo a precisar dela", avalia.
Ainda hoje, 75% dos homens muçulmanos guineenses vêem o fanado como um dever, segundo estudo do Projeto Djinopi. Outro empecilho é o preconceito das próprias mulheres contra as não excisadas. "Estamos a trabalhar em uma tradição que levou muitos séculos", explica Maria Domingas Gomes, presidente do Projeto. "Os jovens, que têm entre 30 e 40 anos, já sabem e trabalham juntamente conosco em favor do abandono da mutilação genital. Mas os velhos ainda têm aquele tabu. Nós achamos que vão parar".
Mudança de mentalidade
A legislação tem impulsionado a nova realidade. 57% dos inquiridos pelo Djinopi já avaliam que é importante não fanar as meninas porque faz mal à saúde e é proibido. Nhina Sissé destaca que todos estão empenhados para acabar com a mutilação, da qual ela mesma foi vítima.
"Sofri esta prática. Por isso, como parlamentar, dei tudo que eu posso para poder haver uma lei que pune essa prática. Porque eu vi mesmo, eu tenho prova disso: a mim mesma. Perdi uma parte do meu corpo que não deveria ser. Marcou-me até hoje, até amanhã e nunca esquecerei", afirma a ex-parlamentar.
Riscos à saúde
Segundo a Unicef, mais de 125 milhões de mulheres e meninas que vivem atualmente passaram pela mutilação genital em todo o mundo. A Organização Mundial de Saúde (OMS) salienta que o procedimento não traz benefícios à saúde e que pode causar sangramento severo, problemas urinários e cistos, infecções e infertilidade.
Complicações durante o parto e risco maior de morte do recém-nascido também são mencionados pela OMS, que considera a prática uma violação dos direitos humanos.
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