Camponeses ignorados pelos candidatos à presidência
9 de outubro de 2014Para alertar a elite política sobre a exclusão dos pequenos agricultores moçambicanos dos programas dos candidatos à presidência, a Ação Académica para o Desenvolvimento das Comunidades Rurais organizou uma conferência, no inicio deste mês, na qual reivindicou mais direitos para os camponeses.
Clemente Ntauaze, responsável do organismo, afirma que os agricultores estão a ser esquecidos pelos políticos do país e que osetor que está a ser marginalizado.
"Veja que, a grande preocupação dos candidatos à presidência é, efetivamente, a priorização do agronegócio, das grandes empresas. Porque, se calhar, eles acreditem que o agronegócio possa alavancar a agricultura, possa alavancar o desenvolvimento em Moçambique," explica.
Mas, continua Clemente Ntauaze, para os pequenos produtores, "isso representa uma grande ameaça, porque, como se bem sabe, o agronegócio trata-se da ocupação de grandes terras, são terras que os próprios camponeses usam."
Agricultura familiar ameaçada
Filipe Nyusi, candidato do partido no poder - a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) -, Afonso Dhlakama, candidato do maior partido da oposição mocambicana - a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) -, e Daviz Simango, candidato do terceiro maior partido do país - o Movimento Democrático de Moçambique (MDM) -, defendem nos respetivos programas eleitorais a mecanização do agronegócio. Ou seja, uma aposta na agricultura em grande escala.
Porém, para os camponeses, este modelo de negócio não gera emprego, nem põe comida em cima da mesa.
Augusto Mafigo, presidente da União Nacional dos Camponeses, defende que faltam mais apoios para os agricultores.
"Em termos de apoio material, em termos de tudo o que é subsídio à agricultura, como nos outros países, esta é a preocupação que desde muito sempre falamos. Se nós, os pequenos agricultores, estamos mesmo a ser excluídos, não é?" questiona.
Augusto Mafigo diz que o agronegócio é um modelo que não serve aos pequenos agricultores, mas sim às grandes empresas, e que as promessas dos políticos são pouco concretas.
"Tenho medo. Falam 'queremos os pequenos, que partam para um nível mais alto' e é preciso mesmos encontrar um modelo de como vamos passar de pequenos para grandes. E é este modelo que me preocupa bastante," pondera Mafigo.
Incompatibilidade histórica
Os grandes produtores já estão no terreno há alguns anos e os pequenos agricultores acusam-nos, insistentemente, da usurpação dos terrenos agrícolas, o que põe em causa o meio de subsistência de mais de 80% da população ativa de Moçambique.
Clemente Ntauaze, da Ação Académica para o Desenvolvimento das Comunidades Rurais, salienta que a terra é, para muitos, o único modo de subsistência.
"Não havendo isto, é claro que a própria vivência, o tecido social em si, é praticamente distorcido, é destruído," considera.
"Vejo famílias a passar fome. Vejo famílias a não conseguir colocar as suas crianças na escola, porque a terra não é só para a subsistência, mas também produzem para o rendimento," avalia Ntauaze.
A União de Camponeses da Província de Maputo recorda que a região do Corredor de Nacala, que liga o porto de Nacala ao terminal férreo da província, possui condições excecionais para prática da agricultura, o que tem vindo a atrair corporações internacionais do agronegócio.
Muitas destas empresas estão associadas ao Programa de Cooperação Tripartida para o Desenvolvimento Agrícola da Savana Tropical em Moçambique (ProSAVANA)e ao Fundo Nacala.
De acordo com um comunidado da organização, esses investimentos empurram as comunidades para terra inférteis, e conduzem ao aumento da pobreza.
Para Clemente Ntauaze, o próximo Governo de Moçambique deveria, pelo contrário, criar mais condições para os camponeses.
"O que se devia fazer é: priorizar a agricultura familiar, priorizar os serviços de extensão, criar condições de forma que os próprios camponeses possam produzir mais e possam ter meios e também mecanismos, não só de produzir, mas também de comercializar os seus produtos," sugere.