1. Ir para o conteúdo
  2. Ir para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Carvão de Moçambique: Há uma região em brasa

Marta Barroso22 de dezembro de 2012

Desde que foram encontradas grandes jazidas de carvão em Tete, centro de Moçambique, a região atrai muitos que acreditam no dinheiro rápido. Dantes província esquecida, Tete está agora em brasa. Mas quem ganha, afinal?

https://p.dw.com/p/16kQ8
Carvão de Moçambique: uma região em brasa
Carvão de Moçambique: uma região em brasaFoto: Marta Barroso

A euforia instalou-se em Tete. Os habitantes da capital provincial no centro interior de Moçambique costumam dizer que a cidade tem agora mais bancos que padarias, mais bancos que farmácias, mais bancos que mercearias. Não será bem assim, mas o que se quer dizer é que Tete está a mudar. Ainda há poucos anos atrás, havia quatro agências bancárias na cidade, em 2011, o número tinha aumentado para 15. Os edifícios em construção ocupam terrenos dantes baldios. Há restaurantes, bares, barracas de comida e de roupa pelas ruas, os hotéis estão cheios e aqueles que ainda não têm hóspedes esperam pelos funcionários das grandes empresas.

Até há pouco tempo atrás, não era possível adquirir telefones móveis em toda a província, a não ser que se negociasse com os condutores de camião que por aqui passavam no trajeto até ao vizinho Malawi. Agora, até no Mercado Primeiro de Maio, no centro da cidade, é possível comprá-los. Ao mercado vêm agora pessoas de longe e aqui trabalham até mesmo estrangeiros.

"É em Tete que se fazem bons negócios"

Dantes poucos carros e motorizadas se viam em Tete. Hoje, o Mercado Primeiro de Maio atrai muitos de longe e mesmo de fora
Dantes poucos carros e motorizadas se viam em Tete. Hoje, o Mercado Primeiro de Maio atrai muitos de longe e mesmo de foraFoto: Marta Barroso

Olivia e a amiga Faith são cabeleireiras e fazem trabalhos de manicure no Mercado Primeiro de Maio. Dantes não havia mais que um pavilhão onde se vendiam frutas e legumes. Entretanto, foram sendo adicionados corredores semi-cobertos em volta com muito mais bancas e barracas.

A jovem de 29 anos veio do Zimbabué em 2008, fugindo da crise no seu país. Tete não fica longe e, afinal, é aqui que se fazem bons negócios, tinha ouvido dizer. E de facto, Olivia cá está satisfeita. Por dia, faz 500 a mil meticais no mercado, entre 15 e 25 euros. Com isso, diz, consegue sustentar-se.

Lenard e Ronald têm as suas bancas no mesmo corredor de Olivia e Faith. Também eles vieram do Zimbabué para trabalhar em Tete. Mas para os dois jovens, a postura das compatriotas é um tanto ingénua: "elas não pensam no futuro", diz Ronald. "Não se trata apenas de comer ou de se vestir bem", acrescenta Lenard. Para ele, só é possível falar de desenvolvimento "quando as crianças frequentam a escola, quando recebem uma boa formação para mais tarde terem um bom emprego e um bom ordenado". Mas em Tete, queixa-se Lenard, faltam ainda muitas coisas.

A mina de carvão operada pela Vale em Moatize é considerada uma das maiores do mundo
A mina de carvão operada pela Vale em Moatize é considerada uma das maiores do mundoFoto: Marta Barroso

Investimento estrangeiro injetado no setor mineiro

Há uns anos foram descobertas em Tete grandes jazidas de carvão, metalúrgico e térmico, que, segundo peritos, poderão mesmo ser as maiores do mundo. Em 2007, a empresa de mineração brasileira Vale, a segunda maior do mundo no setor, instalou-se na região e pouco tempo depois veio a anglo-australiana Rio Tinto (na altura da chegada chama-se ainda Riversdale). Além destas duas, também várias outras empresas mais pequenas estão ativas na região. Em Tete, quase todo o investimento direto estrangeiro é injetado no setor mineiro.

Para o economista Carlos Nuno Castel-Branco, este desenvolvimento é preocupante, uma vez que o sector mineiro não está ligado às outras atividades económicas do país. Com os recursos naturais, diz Castel-Branco, faz-se tanto dinheiro que a infra-estrutura em falta é construída pelas próprias empresas: "precisam de uma estrada, constroem a estrada. Precisam de um porto, constroem o porto. Precisam de alface, importam a alface da África do Sul". A maioria dos que hoje têm um bom emprego vem do estrangeiro. E os maiores negócios fechados pelas mineiras não passam pelas pequenas nem médias empresas locais.

Moçambique: um dos países menos desenvolvidos do mundo

Carvão de Moçambique: Há uma região em brasa

No início dos anos 1990, Moçambique era considerado o país mais pobre do mundo. Na altura, a guerra civil entre o governo da FRELIMO, a Frente de Libertação de Moçambique, e a RENAMO, a Resistência Nacional Moçambicana, ainda se arrastava no país. Ainda hoje, vinte anos depois, o país ocupa o lugar 184 entre 187 países no Índice de Desenvolvimento Humano da ONU. Atrás ficam apenas o Burundi, o Níger e a República Democrática do Congo. O número de moçambicanos pobres tem vindo a aumentar, enquanto a economia nacional cresce cerca de 7% ao ano. Só que os megaprojetos, como o do carvão em Tete, que têm delineado o percurso da economia do país gozam de enormes incentivos fiscais.

No que toca à brasileira Vale, o Centro de Integridade Pública, CIP, uma organização não-governamental moçambicana, compilou-os num estudo: "A Vale goza de uma redução de 15% no Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas, que recai sobre a mina durante os primeiros 10 anos (…). Está isenta de SISA [imposto sobre a transmissão de imóveis] na transmissão de propriedades do Estado, Taxa Liberatória, Imposições Aduaneiras, Imposto de Selo, Imposto de Consumo Específico, Imposto sobre o Valor Acrescentado (…)."

Exportações totais de Moçambique em 2011

A Vale investe

Só na primeira fase do projeto em Moatize, a cerca de 20 quilómetros da capital provincial Tete, a Vale investiu quase 2 mil milhões de dólares. Em 35 anos, a empresa pretende extrair mais de duas mil milhões de toneladas de carvão. E com isso, segundo Paulo Horta, diretor de operações da Vale Moçambique, a empresa contribui para o desenvolvimento da região. "Cerca de 600 jovens foram treinados e estão a operar a mina", diz o responsável, "e eles precisam de alimentação, educação, moradia e isso faz com que o pessoal local e o que vem de fora passe a gerar uma cadeia económica que se repercute na sociedade local". E isso, conclui Horta, tem um peso muito maior do que as contribuições da empresa ao Estado.

"Cada um tem de lutar pela sua emancipação"

Para Alberto Vaquina, antigo governador provincial de Tete, renegociar os contratos com as empresas mineiras seria uma irresponsabilidade
Para Alberto Vaquina, antigo governador provincial de Tete, renegociar os contratos com as empresas mineiras seria uma irresponsabilidadeFoto: Marta Barroso

Até outubro de 2012, quando foi nomeado primeiro ministro de Moçambique, Alberto Vaquina ocupava o cargo de governador provincial de Tete. Segundo ele, cada cidadão deve "lutar pela sua emancipação e encontrar como viver condignamente, usando a sua inteligência e a sua energia sem depender de nenhuma empresa".

Mais emancipação, menos dependência

Estas são palavras ocas para as famílias que se viram obrigadas a deixar as suas casas, porque debaixo delas foram encontradas grandes jazidas de carvão. Entre final de 2009 e início de 2010 a Vale reassentou, ao todo, cerca de mil famílias, em troca fez muitas promessas: novas casas, novos empregos, novas escolas e hospitais, comida gratuita. Até hoje, dizem os que foram reassentados, muitas das promessas não foram cumpridas. Centenas destas famílias vivem agora na localidade de Cateme, a cerca de 40 quilómetros da cidade de Moatize, onde dantes viviam.

Júlio Calengo, da organização não-governamental Liga dos Direitos Humanos, tem vindo a acompanhar a situação da população do Centro de Reassentamento de Cateme. A 10 de janeiro de 2012 centenas de habitantes de Cateme bloquearam a linha férrea de Sena, pela qual passam os comboios que transportam o carvão de Moatize para o porto da cidade da Beira. Os habitantes de Cateme pretenderam assim chamar a atenção para os seus direitos e saber por que razão a Vale não cumpre as suas promessas. Até hoje, continuam sem resposta.

As queixas do reassentados

Durante a reabilitação das suas casas, os habitantes de Cateme deverão instalar-se em tendas como estas
Durante a reabilitação das suas casas, os habitantes de Cateme deverão instalar-se em tendas como estasFoto: Marta Barroso

Na altura, alguns habitantes do centro de reassentamento foram espancados e detidos pela polícia. Um deles foi Gomes António Sopa, apesar de não ter estado sequer presente nos protestos. Segundo ele, a Vale tinha prometido empregos numa empresa de construção. Mas as pessoas continuam desempregadas. Também nem todos têm luz elétrica em casa como prometido. Os alimentos que deveriam receber durante cinco anos, vieram durante um ano.

Também as casas novas de Cateme estão em mau estado desde o início. As paredes têm rachas e quando chove, a água entra pelo telhado. Por Cateme vêem-se tendas em frente das habitações, é lá que os habitantes do centro deverão dormir enquanto as suas casas são reabilitadas. A empresa responsável é a CETA.

Esta criança de Cateme acabou de comer um bocado de rato do mato. Mas tal como muitos no centro de reassentamento, continua com fome
Esta criança de Cateme acabou de comer um bocado de rato do mato. Mas tal como muitos no centro de reassentamento, continua com fomeFoto: Marta Barroso

Também a política ganha

Até 2011, a Vale Moçambique fez compras na ordem de mil milhões de dólares em empresas instaladas no país. Empresas como a CETA, considerada a maior empresa de engenharia e construção nacional, que foi recentemente adquirida pelo grupo INSITEC, relacionado com o presidente da República do país, Armando Guebuza.

Em 2012, a organização de defesa da natureza Greenpeace atribuiu o prémio de pior empresa do ano à Vale. A votação foi feita pela internet e todos os interessados podiam participar. Se em Cateme houvesse ligação à rede, a empresa brasileira teria certamente conseguido mais alguns votos.

Saltar a secção Mais sobre este tema