Casamento Gay entra na agenda política cabo-verdiana
24 de julho de 2017O debate começou depois de o secretário-geral do Movimento para a Democracia (MpD, o partido no poder), Miguel Monteiro afirmar ser 200% contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Miguel Monteiro fundamentou a sua posição com passagens da Bíblia. A posição do também deputado do MpD está a suscitar críticas e elogios.
Cabo Verde é considerado a última fronteira judaico-cristã nesta região da África Ocidental.
A religião católica é predominante na sociedade cabo-verdiana, apesar de o Estado ser laico. Há muitos feriados nacionais com base no calendário religioso, por isso a questão do casamento entre pessoas do mesmo sexo é praticamente um tabu para uma parte da população.
A Constituição cabo-verdiana e a igualdade
A título pessoal, o secretário-geral do MpD mostrou-se 200% contra o casamento homossexual. A posição de Miguel Monteiro surge depois de a Associação LGBT (comunidade de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgénero) de Cabo Verde ter aproveitado as comemorações do Dia do Orgulho Gay, a 28 de junho, para reclamar o direito à união de facto e ao casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Em declarações à imprensa, o Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca, disse que o debate deve ser feito sem qualquer tipo de fantasmas. "Se é um assunto que interessa às pessoas ou segmentos da população e as pessoas entendem que é um assunto relevante, em democracia debate-se abertamente sem nenhum tipo de fantasmas ou receios”.
Jorge Carlos Fonseca defende que qualquer debate deve ter sempre em conta a Constituição da República. "No quadro da Constituição, dos seus valores e princípios, nós avaliamos qualquer tipo de legislação, seja a ordinária, do Código Civil ou Penal". No contexto atual, considera ser "sempre possível que normas vigentes, mesmo que aprovadas antes da Constituição, possam ser sindicadas do ponto de vista da sua constitucionalidade”.
Discussão parlamentar ?
A Rede Laço Branco criada em 2009 por um grupo de homens com o propósito de promover a igualdade de género, ajudando assim a combater preconceitos sexistas enraizados na sociedade cabo-verdiana, defende que a Constituição da República permite o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Porém, alguns artigos do Código Civil anterior à independência do país, é que proíbem esse tipo de casamento.
No Governo, o primeiro-ministro diz não ter preconceitos sobre esta matéria. Ulisses Correia e Silva defendeu que a acontecer, o debate deve ser feito sem intolerância. "Em relação a esta matéria tenho o máximo de tolerância, não tenho estigmas nem preconceitos, agora não pode haver intolerância a quem se posicione contra”, defende.
O principal partido da oposição através do deputado Clóvis Silva, que é um dos ativistas desta causa, disse que o Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV) está aberto para este debate. "Em relação a isto, o PAICV não tem problemas de consciência nem de ideologia. Nós achamos que esta é uma questão que tem de estar na ordem do dia”, afirma o deputado.
Se o assunto for levado ao Parlamento, Clóvis Silva garante que vota favoravelmente: "enquanto deputado, se o assunto for levado ao Parlamento, votava obviamente a favor e até fazia festa”.
"Não é uma questão prioritária"
O deputado e vice-presidente da União Cabo-verdiana Independente e Democrática (UCID), João Santos Luís, entende que há temas mais importantes para se debater, neste momento, do que casamento entre pessoas do mesmo sexo. Segundo João Santos Luís, "para nós [UCID] esta questão não é, neste momento, prioritária, nós ainda não temos uma opinião formada sobre esta matéria”.Por outro lado, Milton Paiva, deputado do MpD, afirma que este debate é necessário e que mais tarde ou mais cedo vai entrar na agenda política nacional. "O MpD é um partido que está preparado para este debate. Dentro do quadro constitucional e das liberdades o MpD tomará uma posição na altura certa”, explica.
Milton Paiva mostrou-se porém contra a adopção de crianças por parte de casais do mesmo sexo. "O casamento entre pessoas do mesmo sexo é uma decisão de adultos com discernimento que decidem esse modo de vida", afirma, relembrando que são os adultos a decidir até que as crianças alcancem a maioridade.
"Eu estive a ver o artigo 74 da Constituição que diz que, como são menores, não têm discernimento, pelo que o Estado é obrigado a tomar conta e a proteger crianças até que tenham esse discernimento". Milton Paiva questiona: "até que ponto nós, como adultos, estamos autorizados a decidir isso pelas crianças”.
O argumento não convenceu o deputado Clóvis Silva do PAICV. "Achas mesmo que esta situação não existe? Não temos crianças a conviver com pessoas homo afetivas? Aqui é que está a importância de nós mantermos este diálogo, de questionarmos «será que isto faz mal às crianças?»”.