Caso Matavele: Estado "tem que se sentar no banco dos réus"
23 de junho de 2020Na última quinta-feira (18.06), o Tribunal Judicial da Província de Gaza condenou seis polícias a penas de prisão entre três anos e 24 anos pelo envolvimento no homicídio, em outubro passado, de Anastácio Matavele.
Mas o diretor do Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD), Adriano Nuvunga, afirma que não raras vezes criminosos expulsos da corporação voltam em pouco tempo ao trabalho, noutras províncias. Diz ainda que os assassinos do observador eleitoral deverão cumprir as penas, a menos que sejam libertados com termo de identidade após o cumprimento de metade das condenações.
Sobre a indemnização dos réus à família da vítima de um milhão e meio de meticais (cerca de 19 mil euros), que foi determinada pelo tribunal, Adriano Nuvunga considera que está muito abaixo do mínimo aceitável.
"Ficou claro ao longo do julgamento que essas pessoas estavam a cumprir uma missão. Também não estamos satisfeitos com o valor da indemnização, está bastante aquém do mínimo possível imaginável", afirma.
Responsabilização do Estado
"Achamos que um processo autónomo tem de ser aberto contra a entidade Estado. Assim, as pessoas responsáveis pela polícia GOE [Grupo de Operações Especiais], em Gaza, têm que se sentar no banco dos réus", aponta Adriano Nuvunga.
Na semana passada, o tribunal isentou o Estado moçambicano do pagamento de uma indemnização de 35 milhões de meticais (mais de 440 mil euros), pedida pela família.
Para Carlos Mhula, da Liga dos Direitos Humanos na província de Gaza, o que penaliza o tribunal e a juíza do caso, Ana Liquidão, foi o facto de se ter deixado levar pelo posicionamento do Ministério Público de isentar o Estado.
"Em todo o curso do julgamento ficou mais do que provado que aqueles são agentes do Estado, usaram arsenais do Estado e o Estado falhou na sua missão que é o controlo do arsenal", afinca Mhula.
Mesmo assim, o ativista dá mérito às condenações aplicadas aos acusados.
Qual a razão do crime?
O jurista Samuel Fernando defende também a abertura de um processo autónomo e o seguimento do caso dos assassinos de Matavele.
"O que está sendo feito sob o ponto de visa administrativo em relação a esta prática, em relação à ausência destes indivíduos dentro do seu setor de trabalho? Até onde vai a responsabilização do Estado dentro deste processo?", questiona o jurista.
Em comunicado, no domingo, a organização civil Sala da Paz pediu mais investigações ao homicídio do seu dirigente Anastácio Matavele. O comunicado aponta "fragilidades do processo", considerando que o julgamento não esclareceu "as razões que levaram os agentes a assassinarem o ativista", além de não ter identificado "os mandantes do crime".
O então diretor executivo do Fórum das ONG Nacionais (FONGA) e ativista social Anastácio Matavele foi assassinado no dia 7 de outubro do ano passado, depois de orientar uma reunião sobre a observação eleitoral das eleições gerais de 2019 em Moçambique.