CEDEAO: Dois pesos e duas medidas perante golpes de Estado?
5 de maio de 2022"A região da África Ocidental está de volta às manchetes internacionais pelas piores razões", disse o Presidente do Gana, Nana Akufo-Addo, no final de março. O chefe de Estado lançava o apelo aos dirigentes reunidos em Accra para que apoiassem a posição de tolerância zero da Comunidade dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) perante golpes militares.
Mali, Guiné-Conacri, Burkina Faso e Guiné-Bissau foram recentemente palco de golpes. Apenas uma posição coordenada dos Estados da CEDEAO poderia pôr os golpistas no seu lugar, segundo Akufo-Addo.
O historiador Arthur Banga, da Universidade Felix Houphouet-Boigny, em Abidjan, na Costa do Marfim, também defende uma "política de tolerância zero" para os golpistas, que deve ser implementada pela CEDEAO. "Não podemos aceitar que a ordem democrática na nossa região seja repetidamente ameaçada por golpes. A África Ocidental deve ser capaz de combater efetivamente golpes militares e os seus responsáveis", afirmou, em entrevista à DW. Para Banga, é necessário apoiar a CEDEAO na aplicação de sanções aos golpistas.
Pouca credibilidade, pouco poder
Na última cimeira da CEDEAO na capital do Gana, a 29 de abril, ficou claro o pouco poder que o bloco da África Ocidental tem na realidade para lidar com os regimes golpistas. Os regimes militares no Mali, Guiné-Conacri e Burkina Faso foram mais uma vez instados a devolver o poder aos civis o mais rapidamente possível. Mas os apelos continuaram a ser ignorados: as três juntas demonstraram que querem manter-se no poder e não aceitaram os prazos fixados pela CEDEAO para o devolver ao povo.
Tanto o Burkina Faso como a Guiné, segundo um comunicado da CEDEAO, desejam mais tempo para o efeito além do prazo de 25 de abril fixado pelo bloco. No documento, a CEDEAO diz não ter tido contacto com o Mali.
As medidas da CEDEAO contra regimes golpistas variam. No entanto, há algo semelhante em todos os casos: as medidas e sanções adotadas não são aplicadas de forma consistente. Até agora, os golpes não tiveram consequências significativas.
A maioria dos observadores concorda que os organismos supranacionais, como a CEDEAO, que estabelecem, aplicam e monitorizam regras vinculativas ao nível internacional, são urgentemente necessários. Recentemente, muito correu mal neste aspecto e a CEDEAO não se tem mostrado à altura da tarefa, como ilustrado pelos exemplos do Mali, Guiné-Conacri, Burkina Faso e Guiné-Bissau.
Mali: Um golpe dentro de um golpe
Bamako, 24 de maio de 2021: os militares malianos, liderados pelo vice-Presidente interino Assimi Goita, derrubam o Presidente interino, Bah N'Daw, líder do Governo de transição formado na sequência de um golpe, em agosto de 2020, para preparar novas eleições. No Mali, de certa forma, assiste-se a "um golpe dentro de um golpe".
A CEDEAO reage de forma decisiva: impõe sanções à junta maliana, encerra as suas fronteiras com o país, congela os seus bens no Banco Central dos Estados da África Ocidental e impõe um embargo comercial ao Mali. Mas as sanções só afetaram alguns protagonistas do golpe - que também têm diversas formas de as contornar, segundo os observadores.
Guiné-Conacri: Golpistas com uma agenda própria
Conacri, 5 de setembro de 2021: uma unidade militar de elite liderada por Mamady Doumbouya assume o poder. Declara dissolvido o Governo do octagenário Presidente Alpha Condé e suspende a Constituição. Condé enfrentava uma forte oposição depois de aprovar uma nova Constituição em 2020 que lhe perimitiria concorrer a um terceiro mandato como chefe de Estado.
Mais uma vez, a CEDEAO condenou imediatamente o golpe com palavras duras: a Guiné teria de regressar rapidamente "à ordem constitucional", o poder deveria ser entregue a um Governo civil - no espaço de seis semanas - caso contrário, seriam impostas sanções ao país e aos seus novos líderes.
Mas os novos dirigentes não levaram as ameaças da CEDEAO a sério e deixaram expirar o prazo. Foi apenas a 1 de maio de 2022 - oito meses após o golpe - que o líder da junta militar, Doumbouya, admitiu uma perspetiva de regresso à ordem constitucional, mas só "após um período de transição de 39 meses".Mais uma vez, ficou claro que a autoridade do bloco da África Ocidental é praticamente inexistente. As possibilidades de implementar as suas exigências são limitadas.
Líderes da junta militar foram sancionados e impedidos de viajar nos países do bloco. Mas os golpistas podem facilmente contornar estas sanções, segundo os observadores.
Burkina Faso: Sem sanções para os golpistas
Ouagadougou, 24 de janeiro de 2022: no Estado-membro da CEDEAO Burkina Faso, o líder da junta militar Paul-Henri Sandaogo Damiba derruba o Presidente Roch Marc Christian Kaboré com a ajuda de um grupo de oficiais militares após dois dias de motins em quartéis do exército. Também aqui a CEDEAO condena o golpe.
Os novos dirigentes prometem imediatamente "um retorno à democracia em breve". Mas não é isso que acontece: os militares deverão manter-se no poder por um período de transição de três anos, anuncia a junta algumas semanas depois. A justificação: a sangrenta insurgência islâmica deve ser travada primeiro.
Desta vez, a CEDEAO permanece inativa e - ao contrário do Mali e da Guiné-Conacri - não impõe sanções aos golpistas no Burkina Faso.
Guiné-Bissau: Tropas da CEDEAO para o Presidente?
Bissau, 1 de Fevereiro de 2022: soldados invadem um edifício do Governo onde o cada vez mais autocrático Presidente Umaro Sissoco Embaló realiza uma reunião do Executivo. 11 pessoas morreram em confrontos entre a guarda presidencial e os atacantes.
Neste caso, a reação da CEDEAO foi muito diferente. Sobretudo por iniciativa do grande vizinho da Guiné-Bissau, o Senegal, o bloco decide enviar um contingente de estabilização de 631 soldados.
"Um caso especial. Uma medida especial da CEDEAO para um pequeno país de língua portuguesa entre o Senegal e a Guiné-Conacri", nota Fodé Mané, um advogado guineense, em entrevista à DW. Mané sublinha que ainda não há informação oficial da CEDEAO sobre o objetivo exato desta missão militar. Não oficialmente, diz-se que os soldados, sobretudo do Senegal e da Nigéria, servirão para proteger os membros eleitos do Governo, oficiais superiores, edifícios estatais e infraestruturas.
A Guiné-Bissau já tinha recebido uma força de estabilização da CEDEAO, entre 2012 e 2020. Essa missão foi decidida após um sangrento golpe militar, em abril de 2012. Nos outros casos, as sanções continuam a ser a principal arma da comunidade económica. Quais são as razões para esta diferença na abordagem? É a questão que muitos representantes da sociedade civil querem ver respondida. "Nós, da sociedade civil da Guiné-Bissau, não temos um bom pressentimento sobre esta missão. Ninguém acredita que esta força de estabilização vai resolver os nossos problemas", diz Fodé Mané.
CEDEAO: Dois pesos e duas medidas?
Fode Mane observa que a CEDEAO está altamente desacreditada em toda a África Ocidental, sobretudo devido ao seu tratamento negligente dos golpistas no Mali, Burkina Faso e Guiné-Conacri. O jurista diz que ninguém compreende porque é que o bloco regional aplica dois pesos e duas medidas aos diferentes países.
Uma crítica também apontada por Oulata Gaho, antogo coronel do Exército da Costa do Marfim: "Uma vez que a CEDEAO é composta por uma maioria de países francófonos, os líderes destes países, que foram colónias francesas, dão a impressão de que o Palácio do Eliseu está a dizer à CEDEAO como resolver os problemas desta região".
Ghao conclui que a reputação da CEDEAO se deteriorou de forma dramática nos últimos anos: "Muitas pessoas na África Ocidental acreditam que uma vez que chegam ao poder, os seus líderes desligam-se comoletamente delas e, juntamente com a CEDEAO, remam contra os interesses das suas populações". Isso, afirma, tem de mudar.