Chang julgado em julho: Revelará tudo sobre dívidas ocultas?
3 de abril de 2024O antigo ministro das Finanças de Moçambique, Manuel Chang, deverá começar a ser julgado a 29 de julho, no âmbito do caso das "dívidas ocultas", anunciou hoje o Centro de Integridade Pública (CIP).
Chang é acusado nos Estados Unidos de corrupção, depois de ter assinado garantias soberanas sobre empréstimos para projetos marítimos que acabaram por não se concretizar.
Em entrevista à DW, o investigador do CIP Borges Nhamirre lembra que o julgamento de Manuel Chang será bastante importante para os moçambicanos terem acesso a mais informações sobre este processo e perceberem, por exemplo, os detalhes sobre como as "dívidas ocultas" foram contratadas.
DW África: É possível que o julgamento do ex-ministro Manuel Chang tenha o mesmo resultado que o de Jean Boustani, em 2019, outro dos nomes envolvidos no escândalo das "dívidas ocultas"?
Borges Nhamirre (BN): Não sabemos qual é a probabilidade de Manuel Chang também ser absolvido. É muito difícil saber, porque, na Justiça norte-americana, não é o tribunal que decide se o réu é culpado ou inocente, mas o júri.
Mas em relação a este assunto, eu tenho a dizer que o julgamento de Manuel Chang nos EUA é muito importante, porque vai nos permitir ter mais informação sobre este processo das "dívidas ocultas", que até agora não foi esclarecido cabalmente. Então, este julgamento é aguardado com toda a expetativa, independentemente da decisão que será tomada. Vai ser uma oportunidade de os moçambicanos terem detalhes de como estas "dívidas ocultas" foram contratadas, porque o Governo tem estado a esconder essas informações.
DW África: Chang continua a negar as acusações e aponta o Presidente da República, Filipe Nyusi, como o principal responsável pela contratação das "dívidas ocultas". É uma questão que deve ser aprofundada?
BN: Sim, porque nos tribunais de três países diferentes, onde houve julgamentos do processo das" dívidas ocultas" - no Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, no Tribunal Superior de Inglaterra e em Nova Iorque - o Presidente Filipe Nyusi sempre foi apontado como uma figura central no processo, não na posição de Presidente, mas na posição anterior que ele ocupava anteriormente, como ministro de Defesa Nacional. E em nenhum desses tribunais o Presidente Nyusi foi prestar esclarecimentos. Eu não estou a dizer que ele é culpado, simplesmente estou a dizer que o seu nome tem sido apontado em todos os processos judicias que decorrem nessas três jurisdições. Então, era importante que fosse esclarecido o alegado papel desempenhado pelo atual Presidente, da mesma forma que os seus colegas na altura estiveram em tribunal para esclarecer.
DW África: O CIP denunciou que o Governo moçambicano recorreu a dívida interna para pagar as "dívidas ocultas". Como travar o pagamento dessas dívidas com recursos que poderiam ser usados para outras despesas que ajudariam a população?
BN: É um grande paradoxo, porque, de princípio, contrair dívida para pagar dívida é considerado má-gestão. Há muitas teorias de que o pagamento desta dívida é importante para Moçambique ter acesso ao mercado internacional e também para poder terminar o processo judicial que tinha em Londres, mas é um grande paradoxo, principalmente num país em que não há dinheiro, mas estas dívidas foram contratadas de forma oculta e o seu pagamento também decorre de forma oculta.
É importante dizer que o Governo não revelou aos moçambicanos que pagou essas dívidas com recurso às reservas nacionais. O pagamento foi efetuado em outubro e essa informação só apareceu este ano num relatório da missão do Fundo Monetário Internacional (FMI).
DW África: E o que indica isso?
BN: Indica a falta de transparência na gestão deste processo das "dívidas ocultas", indica a falta de prestação de contas por parte do Governo. O Governo continua a não prestar contas, não foi ao Parlamento informar sobre isso, não informou as comissões especializadas, não informou a sociedade civil. Então, isso indica uma governação não transparente.