China e Europa em África: "Um choque de sistemas"
21 de julho de 2022Chama-se Nairobi Expressway, é uma autoestrada e serpenteia pela metrópole da capital queniana ao longo de 27 quilómetros. Liga o aeroporto mais importante do país da África Ocidental ao distrito comercial central de Nairobi, ao Museu Nacional e ao Palácio Presidencial. Foi construída pela China em apenas dois anos e está a ajudar a aliviar as artérias congestionadas da cidade.
As empresas estatais chinesas estão cada vez mais à frente dos seus concorrentes europeus com decisões rápidas e implementação célere de projetos em África. É o que diz um estudo publicado em junho pela Fundação Friedrich Naumann para a Liberdade, organização alemã para a política liberal e libertária. A fundação está ligada ao partido liberal FDP, que atualmente integra a coligação governamental do chanceler Olaf Scholz.
Europa exporta valores
Foram inquiridos mais de 1.600 decisores de 25 países, incluindo gestores, funcionários de organizações não-governamentais e funcionários públicos. As respostas pintam um retrato de uma Europa que procura sobretudo exportar os seus valores para África, enquanto os empréstimos, materiais de construção e trabalhadores vêm da China.
Um "Choque de Sistemas": é desta forma que a fundação descreve os resultados da sondagem online conduzida pelo think thank queniano Rede Económica Inter-Regional. Os europeus são vistos pelos decisores como tendo uma vantagem na maioria dos indicadores de desempenho, de acordo com Stefan Schott, um gestor de projetos para a África Oriental e o Centro de Parceria Global da Fundação Friedrich Naumann. Destacam-se os padrões sociais, a oferta de emprego para os locais, os padrões ambientais e a qualidade dos produtos, explica.
Numa lista de 17 critérios, as empresas chinesas com investimentos em África ficam à frente das europeias em quatro indicadores – tomam decisões mais rápido, implementam projetos de forma célere, interferem menos em assuntos internos e têm menos escrúpulos quando se trata de corrupção.
Comportamento paternalista - um problema
"Esses quatro indicadores são obviamente os decisivos. Não há outra maneira de explicar o sucesso dos chineses em África", considera Stefan Schott.
"Os europeus simplesmente têm que tirar as suas próprias conclusões. Precisam de ver como se podem tornar mais rápidos, como podem implementar as coisas em passo acelerado e como podem ser menos vistos como alguém que interfere e diz aos africanos como fazer. Ouvimos muito isso. O comportamento paternalista dos europeus é um problema, e com essa atitude os africanos têm mais dificuldades", afirma.
Perante esta conclusão, o que se recomenda às políticas alemã e europeia para África? "Não aconselharíamos pôr de parte os valores europeus de democracia, direitos humanos e sustentabilidade. Ninguém pode querer isso, seria lesivo, acabaria por prejudicar a posição da Europa", responde o gestor de projetos.
No entanto, continua, "é preciso analisar criticamente se realmente todos os padrões que estabelecemos são tão necessários. Será que as condições em África podem realmente ser abordadas pelos padrões europeus ou isso é um exagero? Quando os padrões são tão altos, no final, os chineses acabam por vencer a licitação e fazem o negócio. E a Europa não fez nada de bom para a situação social ou para o meio ambiente em África".
Um banco europeu de investimento para África?
Schott também sugere a criação de um banco de investimento europeu, com um mandato para decisões rápidas. Para facilitar esta rapidez, não seria necessário consultar todos os 27 estados membros da União Europeia (UE) com antecedência.
A parceria de igual para igual, que os políticos europeus gostam de enfatizar, deve ser definitivamente examinada. "Os participantes no inquérito não veem isso. Pelo contrário, veem África como um beneficiário de ajuda", acrescenta Schott.
Também James Shikwati, economista queniano e coautor do estudo, considera que os europeus estão presos à sua visão ultrapassada de África. "A UE está a ser mantida cativa pelos seus próprios valores, impondo a sua própria visão de mundo a África. E, ao fazê-lo, é incapaz de ouvir as necessidades do povo africano. Por outro lado, temos os chineses, que estão principalmente focados no chamado hardware, ou seja, a infraestrutura que pode transformar e abrir África para si e para o mundo", considera.
"[Os chineses] perguntam: que estrada deve ser construída de onde para onde? Mas os europeus primeiro verificam quantos insetos andam nessa estrada", diz Shikwati, rindo. "Não funciona assim em África", frisa.
Repensar é necessário - em ambos os lados
Segundo o investigador, a Europa precisa de adaptar os seus planos de investimento e ter abordagens flexíveis e voltadas para regiões específicas. No caso de África, isto significa ter políticas competitivas e estrategicamente focadas em vez de combater as já existentes, acrescenta.
Essa é a velha Europa, continua, mas o que é necessário é uma nova forma de pensar: "Não se trata apenas de migrantes vindos de África, o incentivo deve ser as enormes oportunidades que existem em África para investimento e desenvolvimento".
Apenas 4% do investimento externo chinês vai para África. O restante vai para os Estados Unidos, Europa e outras regiões. Mas esses 4% produziram muito nos países africanos mais pobres em pouco menos de 20 anos e, entretanto, a China consolida a sua influência como o parceiro comercial mais importante do continente.