CIP pede debate público das leis dos recursos naturais
8 de outubro de 2014Além das cinco leis que já estão em vigor, está prevista ainda a aprovação de uma sexta lei para o setor extrativo, antes do final do ano, com vista à criação de um regime especial para a exploração do Gás Natural Liquefeito (GNL) do Rovuma.
Um relatório, recentemente publicado pelo Centro de Integridade Pública de Moçambique (CIP), aponta que este possível regime especial corre o risco de ceder aos interesses privados da elite política e à pressão das petrolíferas Anadarko e ENI, uma vez que a discussão tem decorrido a portas fechadas.
Em entrevista à DW África, Fátima Mimbire, especialista em recursos naturais desta organização, faz o balanço das leis aprovadas este ano.
DW África: Como avalia as leis relativas ao setor extrativo, aprovadas no corrente ano em Moçambique?
Fátima Mimbire: Falando concretamente das leis específicas e fiscais, o que as leis trazem é muita novidade. Muitas questões que são realmente pertinentes e que constituem até uma melhoria, ou que vão ajudar a melhorar o desempenho do setor. Mas, ao mesmo tempo, constituem um grande desafio para o Governo, na perspectiva da sua implementação.
Apesar de o Governo já ter iniciado a rubricação de alguns contratos, a Lei de Minas, por exemplo, já refere que todos os contratos são rubricados na íntegra, o que é um avanço muito grande para a transparência, em Moçambique.
Embora a Lei do Petróleo diga diferente, o contrário. Diz que os contratos serão rubricados, mas com a salvaguarda da confidencialidade das questões comerciais.
DW África: Porém, as leis aprovadas não obrigam à promulgação dos contratos em hasta pública. Porque é que existe esta confidencialidade. Faz sentido?
FM: Já ficou provado, por vários estudos publicados a nível internacional e até aqui em Moçambique, que as empresas têm acesso aos contratos das outras empresas - pelo que estas questões que o Governo e as companhias alegam como sendo comercialmente sensíveis já estão no domínio das empresas concorrentes.
Portanto, esta salvaguarda da confidencialidade é para quem? É para as empresas ou é para que o cidadão não tenha a informação? E para nós, é mais que óbvio que é a segunda opção, que é esconder a informação do cidadão.
DW África: Outra lei sobre as empresas da indústria extractiva obriga à inscrição na Bolsa de Valores. Porque é que esta lei foi tão aclamada em Moçambique?
FM: Penso que esta inscrição das empresas na Bolsa de Valores vai ser importante, porque terão que apresentar um relatório detalhado sobre a operação no país e esta será uma via indireta através da qual os cidadãos moçambicanos poderão ser informados ou saber o que as empresas estão a fazer em Moçambique, quais são os resultados, as perdas, os ganhos; etc.
DW África: Não deveria haver uma autoridade global que controlasse o setor extractivo?
FM: Nós, como CIP, já vínhamos advogando que era necessário que houvesse uma autoridade, uma entidade como esta independente, que pudesse fazer a monitoria, o acompanhamento, a fiscalização da atividade das empresas, visto que o setor extrativo é um setor muito especializado, muito complexo.
Há uma série de questões que têm que ser acompanhadas minuciosamente ao detalhe, de modo a garantir que o Estado, no final do dia, tenha os benefícios devidos pela exploração dos seus recursos.
Por exemplo, a empresa declara que descobriu não sei quantos trilhões de pés cúbicos de gás e o Governo assume que são esses trilhões de pés cúbicos. Mas, na realidade, podem até não ser esses trilhões de pés cúbicos.
DW África: Está ainda a ser discutida uma lei que introduz um regime especial para a exploração do Gás Natural Liquefeito do Rovuma. Porque é que a negociação entre o governo e as empresas está a decorrer à porta fechada?
FM: Não foi dito qual é o gap que existe e que tem que ser respondido. Ou qual é a questão que está em negociação concretamente, o que está a ser negociado. É isso que nós achamos que é importante, sobretudo, quando falamos de transparência. O governo não pode negociar, em nome dos seus cidadãos, coisas que os cidadãos não saibam que estão a ser negociadas.
DW África: Qual é o risco destas leis não serem discutidas em público?
FM: A nossa preocupação é que estas inconsistências que prevalescem na lei podem afetar a transparência. Isto é o mais importante.