CIP teme "privatização oculta da LAM"
19 de abril de 2023O Governo moçambicano anunciou, no início deste mês, que a empresa Linhas Aéreas de Moçambique (LAM) passaria a ser administrada por uma comissão internacional liderada pela empresa sul-africana Fly Modern Ark, que entrou ontem formalmente na gestão da transportadora estatal do país.
Segundo o ministro dos Transportes e Comunicações, Mateus Magala, pretende-se com esta solução "melhorar o valor da LAM", na medida em que a companhia de bandeira do país poderá usufruir dos aviões e capacidade de gestão da companhia sul-africana.
No entanto, num relatório publicado recentemente, o Centro de Integridade Pública (CIP) questiona o modo como a empresa foi selecionada e alerta para o facto desta já ter sido descartada pelo Governo do Zimbabué por, em troca de equipar a companhia aérea nacional do país - a Air Zimbabwe -, querer 25% das ações da empresa.
Em entrevista à DW, Egas Jossai, autor do relatório do CIP, diz que, não sendo conhecido o acordo celebrado entre o Estado e a empresa sul-africana, não é possível prever "os ganhos". Aliás, podemos estar perante uma "privatização oculta" da LAM, alerta.
DW África: Que benefícios pode esta gestão trazer à LAM?
Egas Jossai (EJ): A questão que deveria ser respondida seria: Como é que essa empresa chegou a ser selecionada pelo Estado? Porque, se formos ver, é uma empresa que não tem qualquer experiência em resolução ou reanimação de companhias aéreas na situação em que a LAM está. Isso leva já a uma certa desconfiança da sociedade civil no que está por detrás desse acordo que foi celebrado entre o Estado e a empresa sul-africana, tendo em conta que essa empresa vai trazer os seus próprios meios para operar no mercado nacional. Então, a questão é: O que é que o Governo de Moçambique vai dar em troca?
Não estamos em condições de ver quais serão os ganhos, tendo em conta a ocultação de informação por parte da entidade competente no que diz respeito ao contrato que foi celebrado com essa empresa sul-africana.
DW África: Que contrapartidas são essas que podem estar aqui em causa?
EJ: Tendo em conta o modus operandi da empresa sul-africana, normalmente ela quando apresenta uma proposta de melhoria de uma companhia aérea, em contrapartida exige ações. De acordo com o que Governo tem dito, a privatização da LAM está descartada. Mas nós sabemos também que, tendo em conta o modus operandi dessa empresa, podemos estar diante de uma privatização da LAM de forma oculta.
DW África: Esta gestão internacional trará mais aviões e equipamentos para a LAM. Colocando de parte por momentos o modo de seleção da empresa, que o CIP questiona no seu relatório, poderemos dizer que haverá benefícios para os moçambicanos?
EJ: Moçambique pode beneficiar, sim, porque, segundo o próprio ministro, provavelmente haverá uma redução da tarifa da passagem aérea. Atualmente, a passagem é extremamente cara, o que faz com que alguns prefiram viajar para fora do país. É muito mais económico do que viajar dentro do país.
DW África: Portanto, são esperadas melhorias, mas há também receios.
EJ: O maior receio é a que custo teremos essas melhorias. Porque de nada vale termos uma melhoria enquanto estamos a hipotecar algo, uma melhoria momentânea que depois vai nos sair caro daqui a um, dois ou três anos. Então, temos que fazer essa avaliação do custo-benefício. Até que ponto esses benefícios que teremos agora serão viáveis para a nossa projeção futura?
DW África: Foi dito que a comissão permanecerá por seis meses, que podem ser extensíveis. Dada a magnitude dos problemas da companhia, seis meses serão suficientes para mudanças estruturais?
EJ: Tenho sérias dúvidas. Seis meses ou até mesmo um ano é um tempo muito curto, tendo em conta os graves problemas que a LAM tem. Esses seis meses de certeza que vão ser prorrogados por mais seis meses ou um ano, para poder tentar tirar a LAM do buraco.