CIP: Terrorismo e raptos "não se combatem com gabinetes"
15 de dezembro de 2021A Assembleia da República de Moçambique aprovou, nesta segunda-feira (13.12), na generalidade, a criação do Gabinete Central de Combate à Criminalidade Organizada e Transnacional, com enfoque, entre outros crimes, no terrorismo e raptos.
De acordo com a ministra moçambicana da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos, Helena Kida, o gabinete visa aprimorar o quadro legal e dar poderes ao Ministério Público para o combate aos vários tipos de crime.
Mas o pesquisador Baltazar Fael, do Centro de Integridade Pública (CIP), duvida que este gabinete tenha pés para andar, porque o combate à criminalidade organizada não se faz com a criação de várias instituições, mas sim com a criação de melhores condições de trabalho.
DW África: É este o órgão que faltava no país para combater o crime organizado e transnacional?
Baltazar Fael (BF): Neste país temos o hábito de criar instituições que são autênticos nados-mortos. Quer dizer, morrem logo na sua criação.
DW África: Este gabinete pode ser também um nado-morto?
BF: A prática vai mostrar isso. Mas pelas evidências que eu tenho noutras instituições que foram sendo criadas neste país, umas entram em funcionamento, mas não alcançam os seus objetivos. Outras pura e simplesmente são criadas, não lhes são concedidos meios materiais, nem meios humanos, nem condições para desempenhar as funções, o que faz com que os mesmos sejam sempre gabinetes criados para mostrar às pessoas e à comunidade internacional que o país está preocupado em combater determinado tipo de criminalidade, mas na prática não funcionam. Para mim, é mais um gabinete para vir enfeitar o panorama daquilo que o Governo quer para entreter o povo.
DW África: Nós temos no país o Gabinete de Combate às Drogas e depois também temos o Serviço Nacional de Investigação Criminal (Sernic) e outras entidades que deveriam prevenir os casos de criminalidade. Como vai ser o trabalho específico deste gabinete, tendo em conta que já existem outros gabinetes que lidam com as mesmas matérias?
BF: O Governo deste país não tem estratégia nenhuma, ele anda a gatear pura e simplesmente. De facto, essas entidades existem, o combate à droga, o combate a corrupção. Porque nós perguntamos: e resultados? Que meios é que o Governo confere a estas entidades quando as cria, para que elas funcionem e produzam resultados. Devíamos visitar essas instituições para ver a forma paupérrima como são construídos. Depois, quando vem a comunidade internacional perguntar se o país está a implementar este, mais este e aquele protocolo, mostram estes gabinetes. Para mim, este Governo só passa a vida a entreter o povo e a comunidade internacional.
DW África: E o Parlamento quando aprova e o Governo quando cria este gabinete diz que uma das missões é a questão dos raptos. Mas a pergunta é: precisa-se de um gabinete para tratar a questão dos raptos, tendo em conta todas as unidades da polícia que existem que poderiam estar a investigar?
BF: Precisamos, dentro da polícia, de membros da corporação com formação para combater esta forma de criminalidade. Agora, é por isso que eu digo mais uma vez: não são esses gabinetes que vão combater raptos. É uma vontade da parte do Governo de dar meios às instituições que cria e não recriar as instituições e vir dizer que vai combater os ratos dessa forma. E digo mais uma vez: este pode ser mais um gabinete para vir a enfeitar o panorama das instituições que pululam neste país como se fossem cogumelos.
DW África: Esse gabinete também é criado tendo como foco a questão do terrorismo em Cabo Delgado. Na sua visão, em que medida este gabinete poderá ajudar a combater a expansão do terrorismo pelo país?
BF: O terrorismo não se combate num gabinete. E quando o Governo deste país não tinha meios suficientes para combater o terrorismo, não criou o gabinete. O que fez foi chamar os ruandeses e as tropas da SADC para no terreno, com a estratégia montada, procurar combater o terrorismo. E não foi traçada nenhuma estratégia dentro de um gabinete especializado.