CNE guineense faz novo apuramento: Volta tudo à estaca zero?
24 de fevereiro de 2020Três dias depois da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) ter ameaçado com sanções a quem impeça a normalização política da Guiné-Bissau, a Comissão Nacional de Eleições (CNE) voltou atrás na sua decisão e aceitou fazer, na terça-feira (25.02), feriado nacional de carnaval, o apuramento nacional dos resultados das presidenciais, como exige o Supremo Tribunal de Justiça.
Antes, a CNE respondera à instância máxima da Justiça na Guiné-Bissa que já tinha feito tudo o que tinha para fazer, dando por terminado o processo eleitoral.
Discute-se agora em Bissau se deverá ser feito apenas o apuramento das atas regionais na posse da CNE ou se serão compiladas as atas de todas as mesas de assembleia de voto. Na convocatória entregue aos mandatários dos candidatos, a que a DW África teve acesso, o presidente da CNE, José Pedro Sambú, pede que os representantes dos candidatos se façam acompanhar de cópia de todas as atas de apuramento regional.
Discussões continuam
Depois da CNE anunciar que vai convocar uma sessão plenária para voltar a fazer o apuramento nacional dos resultados, o primeiro-ministro Aristides Gomes mostrou-se satisfeito.
"Vemos isso com bons olhos", afirmou em declarações aos jornalistas. "O cumprimento da decisão judicial é algo que sempre nos leva à pacificação e acalmia dos ânimos. A partir do momento em que não se cumprem as decisões judiciais, o clima é necessariamente tenso e pode levar, sobretudo nos países frágeis, a situações extremamente desagradáveis."
No entanto, continuam as discussões sobre o tipo de apuramento que a CNE deveria fazer na terça-feira.
Para o jurista Luís Vaz Martins, um conhecido ativista dos direitos humanos, o Supremo Tribunal pediu à comissão para fazer o apuramento desde as mesas de voto, e não só a partir das atas das regiões.
"Aquele acórdão não se resume à verificação das atas regionais. O acórdão foi bem claro a dizer que há que fazer um recuo até às mesas, o que significa que impreterivelmente há que quantificar todas as vindas das mesas, no sentido de se fazer um apuramento nacional", afirma em entrevista à DW.
Vaz Martins insiste que, se se tratasse apenas da CNE a fazer um apuramento nacional com base nas suas atas regionais, a insistência do Supremo não faria sentido.
Mas Abdu Mané, um dos advogados de defesa de Umaro Sissoco Embaló, dado pela CNE como vencedor das presidenciais, faz uma interpretação contrária.
"Que fique claro que será feito o apuramento nacional com base nos dados regionais que estão na posse da CNE. Que fique claro", diz.
"Também há que ter em conta que as reclamações, os protestos ou contra-protestos, devem ser feitos nas mesas de assembleia de voto, nas comissões regionais de eleições e na CNE".
Sissoco quer investidura para quinta-feira
Em nome do coletivo de advogados de defesa de Sissoco Embaló, Abdu Mané, antigo Procurador-Geral da República, acredita que a plenária convocada pela CNE não vai alterar o resultado eleitoral, pelo que a candidatura já pediru à Assembleia Nacional Popular a convocação da sessão extraordinária para a investidura de Sissoco como novo Presidente da Guiné-Bissau, na quinta-feira (27.02).
"Deu entrada hoje no Parlamento um pedido de convocatória para uma sessão extraordinária, uma sessão especial, para o empossamento do Presidente da República. O requerimento já estão em mãos do presidente do Parlamento, Cipriano Cassamá. Agora, só tem que cumprir a lei", afirma em entrevista telefónica à DW África.
Abdu Mané avança que, com este requerimento, o grupo parlamentar pretende apenas cumprir o que está no Regimento da Assembleia Nacional Popular, e acusa o Supremo de atuar fora da lei: "A entidade competente para declarar os resultados eleitorais é a CNE. A CNE já cumpriu. O Supremo Tribunal foi além do que foi pedido. Alguém quer fazer frete político ao candidato derrotado. O próprio Supremo não cumpriu a lei".
Tudo volta à estaca zero
Contudo, para o jurista Luís Vaz Martins, com a convocação da plenária para terça-feira, a CNE acaba por reconhecer que ainda não há um Presidente eleito, pois fará o apuramento nacional e consequente divulgação dos resultados provisórios e definitivos, novamente.
Nestas condições, o jurista não vê como Sissoco pode ser investido na quinta-feira, como o próprio anunciou.
"Tudo volta à estaca zero, como se fosse um dia depois da votação no país. Só a CNE é que fingia não ver que não há Presidente eleito sem fazer o apuramento nacional antes da divulgação dos resultados. Podemos fazer todas as críticas possíveis, mas jamais entrar na lógica de não cumprir com a deliberação do Supremo Tribunal de Justiça", afirma o antigo presidente da Liga dos Direitos Humanos, agora comentador político em Bissau.
Na sexta-feira passada (21.02), a CEDEAO ameaçou com sanções aos atores guineenses que não contribuíssem para a normalização da Guiné-Bissau e pediu para evitarem declarações que ponham em risco a paz no país.